PRESIDENTA
DILMA ROUSSEF DEVE DECLARAR QUE MINISTROS PERMANEÇAM EM SEUS CARGOS
Jorge
Rubem Folena de Oliveira
Em 05 de maio de 2016, o
Supremo Tribunal Federal, nos autos da Ação Cautelar 4.070, afastou Eduardo
Cunha das funções de Presidente da Câmara dos Deputados. Segundo a Procuradoria
Geral de Justiça e a totalidade dos ministros da Suprema Corte, o acusado pelos
delitos de corrupção e lavagem de dinheiro, quando no exercício das suas
funções, estaria interferindo para dificultar a investigação e instrução do
processo instaurado contra ele.
Assim entendeu o relator do
processo, ministro Teori Zavascki, ao deferir a medida cautelar, prevista no
artigo 319, VI, do Código de Processo Penal brasileiro, que determinou a suspensão do exercício de função pública, e o
entendimento foi ratificado por todos os juízes presentes na sessão de
julgamento.
Ou seja, o Supremo Tribunal
Federal afastou Eduardo Cunha (integrante
do partido do vice-presidente da República Michel Temer - PMDB) das suas
funções na presidência da Câmara dos Deputados, por entender que ele estava agindo com desvio de
finalidade para atender a seus interesses particulares.
O desvio de finalidade fica
claro, sem nenhuma dúvida, no ato em que o então presidente da Câmara dos
Deputados coordenou o início do processo de impeachment contra a presidenta
Dilma Roussef, em represália ao Partido dos Trabalhadores, cujos membros se
recusaram a colaborar para livrá-lo do processo administrativo em que se pediu
seu afastamento do cargo de deputado, procedimento
que ainda se encontra no Conselho de Ética da Câmara e até hoje foi não
concluído por aquela comissão.
Por outro lado, a abertura
do processo de impeachment contra a presidenta
Dilma, na Câmara dos Deputados, tramitou
numa velocidade muito superior à da cassação de Eduardo Cunha, cujo
processo está praticamente paralisado.
Eduardo Cunha e a maioria
dos deputados encontram-se envolvidos numa rede de interesses e proteção mútua,
que utilizam contra a presidente da República.
Torna-se
evidente a interferência, a sobreposição e o abuso do poder legislativo contra
o poder executivo (chefiado pela primeira vez na História do Brasil por uma
mulher), em flagrante violação ao princípio da separação dos poderes
(artigo 2.o da Constituição).
A oposição utiliza-se da
previsão constitucional do impeachment (artigos 85 e 86) para manifestar que
não existe um golpe em curso no Brasil. Porém, quando um poder (o legislativo) utiliza-se de suas atribuições para criar
embaraço, interferência e chantagem, visando a cassação da chefia de outro
poder (o Executivo), não há como negar a
existência de um desvio de função e quebra da impessoalidade constitucional
(artigo 37), bem como um atentado a separação
de poderes (artigo 2o da Constituição), que têm no equilíbrio de
forças políticas a sua base para manutenção do Estado democrático de direito
(artigo 1o da Constituição).
A utilização das normas
constitucionais para alcançar fins diversos, como fizeram Eduardo Cunha e seus
colegas deputados, como fez também o seu partido (PMDB, o mesmo do
vice-presidente, que tenta conquistar o poder indiretamente) e como fizeram os
partidos de oposição liderados pelo PSDB (do ex-presidente Fernando Henrique
Cardoso e do ex-candidato presidencial derrotado, Aécio Neves, também acusado
criminalmente de corrupção), não pode receber outra denominação, a não ser golpe jurídico e institucional.
Com efeito, Eduardo Cunha
utilizou-se do cargo para chantagear a Presidenta Dilma Roussef e seu partido
(PT), visando receber, em troca, na comissão de ética, a proteção de deputados
do seu partido (o PMDB do vice-presidente da República, Michel Temer, condenado
pela Justiça Eleitoral de São Paulo como “ficha suja”) e dos partidos de
oposição (como o PSDB).
Apesar de todas as evidências
delituosas apuradas na investigação criminal e no processo judicial contra o
acusado, Eduardo Cunha ainda não foi
condenado criminalmente pelo Supremo Tribunal Federal, que lhe assegurará o
devido processo legal, o contraditório, a ampla defesa e até mesmo a presunção
de inocência (artigo 5.o, LIV, LV e LVII, da Constituição),
princípios liberais para garantia da democracia.
Ocorre, porém, que, antes que
o Senado Federal tenha sequer votado a abertura do processo de impeachment
contra a presidenta Dilma Roussef, em 06 de maio de 2016 o Portal de Notícia G1
(do mesmo grupo econômico da Rede Globo de Televisão), noticiou que o
Presidente do Senado, Renan Calheiros, do PMDB (mesmo partido de Eduardo Cunha
e do vice-presidente Michel Temer) determinou
que a consultoria jurídica do Senado elaborasse um projeto de resolução
legislativa para regulamentar os direitos da presidenta Dilma, caso seja
aceita, pelo Senado, a abertura do processo de impeachment, no dia 11 de maio
de 2016.
Isto é, o presidente do
Senado, do mesmo partido do vice-presidente, estabelecerá, por mera resolução,
quais direitos poderão ser exercidos pela Presidenta da República durante
seu afastamento para se defender, pois ainda não foi julgada nem sofreu
condenação em definitivo.
Para o PMDB (partido de
Eduardo Cunha, de Renan Calheiros - presidente do Senado e do vice-presidente
da República), trata-se de um jogo, no qual é possível estabelecer regras
jurídicas para ditar o que a Presidenta da República pode ou não pode fazer no
curso de seu afastamento, mesmo antes de iniciado o processo de impeachment.
Assim, o PMDB, associado aos
diversos parlamentares de oposição (muitos deles respondendo a processos
criminais), tenta instituir, à força, um
novo governo, a ser chefiado pelo vice-presidente da República, nomeando novos ministros de estado.
A Constituição não determina
nenhuma hipótese de instituição de um novo governo ou nomeação de ministérios,
em caso de suspensão das funções da presidenta (artigo 86, parágrafo 2.o da Constituição), cujo afastamento do cargo
seria exclusivamente para exercitar a garantia que lhe é assegurada (com base
no devido processo legal, no contraditório e na ampla defesa).
Ou seja, o afastamento,
previsto constitucionalmente como suspensão das atividades, não é uma punição, mas sim uma garantia para o (a) presidente (a)
se dedicar à elaboração da sua defesa
perante o Senado Federal.
Caso contrário, em função das
horas dedicados à elaboração de sua defesa, poderá lhe faltar o tempo para bem exercer suas
atribuições presidenciais, previstas no artigo 84 da Constituição. Isto porque
se o(a) presidente(a) se omitir ou falhar no exercício de suas atribuições normais,
poderá vir a ser responsabilizado pelo não cumprimento dos deveres institucionais,
inerentes ao cargo, podendo, aí sim, ser
responsabilizado politicamente por violação constitucional.
Com efeito, a Constituição
Federal (no seu artigo 79) não prevê que o vice-presidente Temer possa
implantar um novo plano de governo (que sequer foi submetido à votação popular)
nem afastar os ministros nomeados no governo da presidenta Dilma, que não foi, nesta fase, (1) impedida nem tampouco
(2) sucedida (o que só ocorreria no caso de vacância, por sua morte ou renúncia ao cargo).
Somente nestes dois casos o
vice-presidente estaria legitimado constitucionalmente a nomear um novo
ministério de sua confiança, porque
passaria a exercer, em definitivo, o cargo presidencial. No exercício
provisório da presidência, o vice-presidente somente poderia nomear ministros
no caso de algum deles renunciar ao cargo.
No caso, o vice-presidente não dispõe de autorização
constitucional para nomear novos ministros, nem sob a alegação de se tratar
de cargos de confiança, pois não exerce o cargo de mandatário final, sendo um mero substituto, numa situação
provisória. O governo e toda a sua estrutura organizacional é da presidenta
eleita pelo voto popular, até que se decida a sucessão política definitiva.
Caso seja aprovada a
abertura do processo de impeachment, a atuação
do vice-presidente será meramente provisória; sendo certo que,
ultrapassados os 180 dias sem que o Senado Federal tenha julgado a presidenta,
ela deverá retornar às suas funções normais de trabalho (artigo 86, parágrafo 2.o
da Constituição).
O papel a ser exercido pelo
vice-presidente neste momento, em que a presidente estará se defendendo no
Senado Federal, deverá ser o mesmo que
ele representa quando a presidenta da República se ausenta para viagens ao
exterior, inclusive consultando-a para eventuais e urgentes nomeações
necessárias para cargos, como de juízes etc.
Não é proporcional nem
razoável (princípios constitucionais decorrentes do devido processo legal
substantivo, previsto no artigo 5.o, LIV, da Constituição) que,
neste caso, o vice-presidente possa constituir um novo governo, ainda que
provisoriamente, nem que demita todo um ministério nomeado legitimamente,
na medida em que ele não ocupa o cargo
em definitivo, o que só ocorreria na hipótese da condenação política
da presidenta Dilma, quando então, e
somente então, o vice assumiria a presidência da República.
O artigo 76 da Constituição
estabelece que o “Poder Executivo é exercido pelo Presidente da República,
auxiliado pelos Ministros de Estado”. Ou
seja, o governo é exercido pelo presidente e seus ministros nomeados. Vice-presidente não é presidente. E somente
poderia sê-lo em caso de impedimento final ou na sucessão por vacância, quando
assumiria o governo. Enquanto isto não se efetivar, não cabe ao Senado Federal
(presidido por Renan Calheiros, do mesmo partido do vice-presidente), limitar casuisticamente
e no curso do processo, os direitos de uma presidente da República eleita pelo
povo brasileiro.
Com efeito, o
vice-presidente da República e seu partido (PMDB) estão revelando sua incontida
ânsia pelo poder, e sua atuação deixa
evidente a violação de todas as regras democráticas para consolidar um golpe jurídico-institucional,
a partir do dia 11 de maio de 2016, no Brasil.
Neste caso espera-se que, ao
contrário do ocorrido no afastamento de Eduardo Cunha da presidência da Câmara
dos Deputados, e honrando o compromisso de defesa da democracia, assumido
perante a Comissão de Veneza, o Supremo Tribunal Federal não se omita por mais
um minuto sequer, pois existe o grave risco da quebra da ordem democrática, que
pode ampliar ainda mais o desequilíbrio das forças políticas no Brasil e
aumentar a convulsão social.
Sem dúvida, muito da atual
crise política do Brasil é consequência da omissão da Suprema Corte, que
deveria ter afastado Eduardo Cunha de suas funções há muito tempo e rechaçado
claramente o pedido de abertura desse incabível impeachment, que constituiu uma
jogada política manipulada por Eduardo Cunha, motivado pelo desejo de
retaliação e por interesses particulares, em total desvio de finalidade, como
reconhecido recentemente pela Corte, na decisão que o afastou do exercício da
presidência da câmara dos deputados.
O reconhecimento judicial do
desvio de finalidade praticado por Cunha, impõe, em respeito à democracia, que o Supremo Tribunal Federal declare nulo
todo o processo de abertura de impeachment. Pois, como sabiamente declarou
o ministro Teori Zavascki, na liminar que determinou o afastamento de Eduardo
Cunha, “garantimos uma República para os comuns, e não uma comuna de intocáveis”.
Como afirma o pensador
clássico Tocqueville, “a primeira característica de uma força judiciária, entre
todos os povos, é servir de árbitro”. É o que se espera do Supremo Tribunal
Federal, neste grave momento: que atue com grandeza perante o povo brasileiro e
a comunidade internacional, para fazer prevalecer a moderação e o equilíbrio
das forças políticas e sociais, e, assim, restabelecer a paz no Brasil.
*Jorge Rubem Folena de
Oliveira - Advogado constitucionalista e doutor em ciência política
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