O
FIM DA NOVA REPÚBLICA BRASILEIRA
Jorge
Rubem Folena de Oliveira
A eleição indireta de
Tancredo Neves para presidente de República, em 1985, por meio do Congresso
Nacional, representou simbolicamente o fim da ditadura militar-civil (1964-1985).
Ao ser eleito, Tancredo afirmou
que, a partir daquele momento se iniciava uma “Nova República”, expressão que
passou a denominar o projeto inicial da transição da ditadura para o regime
democrático, em um processo que foi amplamente “tutelado pelos homens do antigo
regime”.
Este acordo entre o “antigo”
e o “novo” teve como consequência a convocação de uma constituinte, eleita em
1986, que se reuniu de 1987 a 1988e foi encerrada com a promulgação da atual
Constituição, denominada “cidadã” por Ulysses Guimarães (Presidente da
Assembleia Nacional Constituinte). Isto porque assegurava e, principalmente,
resgatava as normas liberais fundamentais dos direitos individuais, sociais e
da ordem democrática, e ainda tinha como marca a salvaguarda da defesa da
soberania nacional, representada pelo monopólio do petróleo da Petrobras.
Porém, no governo de
Fernando Henrique Cardoso, a parte da constituição relativa à defesa da
soberania nacional praticamente foi demolida, tendo sido imposto, de forma
arbitrária e sem debate popular, o término do monopólio do petróleo da
Petrobras.
Igualmente arbitrária foi a revisão
do conceito de empresa nacional, que abriu caminho para a privatização das
empresas de telecomunicações, ou seja, da estratégica tecnologiada informação e
do acesso à rede mundial de computadores.
Foi também privatizada a
Companhia Vale do Rio do Doce, mineradora estatal detentora das maiores
reservas de minerais do mundo, vendida por valor insignificante.
Todos esses atos foram
praticados para atender aos interesses da doutrina da globalização, imposta
pelo “neoliberalismo” e decorrente do final da guerra fria (1990), cujos arautos
ousaram expressar, falsamente, para o mundo todo ouvir, que era chegado o “fim
da história”.
Mas, ao contrário do que
anunciaram, a História não terminou e jamais terminará, enquanto o homem viver
na face da terra, por ser produto da criação cultural. O mundo se insurgiu contra
esta farsa e, em vários lugares, governos populares chegaram ao poder, a
exemplo do caso brasileiro, com a vitória de Luiz Inácio Lula da Silva em
outubro de 2002.
Foi a Constituição de 1988,
arranjo decorrente da “Nova República”, que permitiu que Lula pudesse governar
(com acertos e desacertos) e implantar, no Brasil, uma série de políticas públicas
destinadas a assegurar o mínimo de cidadania para quem, até então, nunca havia
tido nada.
É verdade que o governo de
Lula, para poder administrar, teve que flertar internamente com agentes do
antigo regime e precisou também atender aos interesses do capital financeiro
hegemônico. Mas tudo isto foi consequência do acordo firmado na constituinte de
1987/1988, que impede qualquer partido, eleito pela via democrática, de ter a maioria
necessária para governar o Brasil.
É verdade também que Lula e
sua sucessora Dilma Rousseff, bem como o seu partido (PT), não trabalharam
duramente para realizar uma verdadeira reforma política e eleitoral;igualmente,
nada fizeram para interromper o abusivo controle dos meios de comunicação
social, concentrado economicamente nas mãos de poucos agentes privados, que há
décadas indicam o tom e exercem o verdadeiro comando da política, por força do
poder “espiritual” e “simbólico”que exercem sobre a população, por meio da
opinião pública.
O golpe jurídico-institucional
que se consumou em 11 de abril de 2016 e que,indevidamente, afastou o governo
Dilma Rousseff, em decorrência da mera aceitação da abertura do processo de
impeachment, deixa evidente o fim da era da “Nova República” e mostra o completo
desgaste do pacto político-jurídico expressado pela Constituição “cidadã”de
1988.
A Constituição foi rompida
com o apoio das instituições políticas, como o Legislativo e o Judiciário, que
referendaram que o então vice-presidente da República pudesse instalar um novo
e ilegítimo governo, mediante a execução de um plano de governabilidade não
respaldado pela soberania popular e que atenta diretamente contra a classe
trabalhadora, como já se vê pelas primeiras medidas anunciadas.
Mais uma vez, o povo, no
Brasil, assistiu a tudo sem ter sido consultado sobre nada e sem ser chamado a
participar, a exemplo do que já ocorrera na fundação da própria República, em
1889; na denominada “Revolução” de 1930; na implantação ditatorial “Estado
Novo”, em 1937; no golpe militar-civil de 1964; e, até mesmo, no que Tancredo
Neves denominou de “Nova República” (ainda que precedida pelo “Diretas já”,
movimento derrotado no Congresso Nacional pelo governo do general ditador João
Batista Figueiredo).
A Constituição de 1988 não
conseguiu assegurar a democracia e foi manipulada para se executar a fraude jurídica do impeachment e assegurar
o afastamento inconstitucional do governo de Dilma Rousseff.
Em razão disso, o pacto
político/jurídico brasileiro deixou de existir e,tendo em vista os
acontecimentos, não se encontram mais presentes as condições para que se
mantenham intactas as garantias individuais, os
direitos sociais e a soberania nacional, ainda que previstos na
Constituição de 1988, pois, doravante, abriram o caminho para o seu
descumprimento, sem nenhum pudor e com a chancela judicial.
Por fim, vale lembrar que,
de abril de 1964 até a outorga da Emenda Constitucional número 01/1967, o
Supremo Tribunal Federal permitiu que o regime golpista e ditatorial recém
implantado praticasse uma série de violências contra a Constituição de 1946.
Essa permissividade do STF colaborou,
sem nenhuma dúvida, para a implantação do Ato Institucional número 05, de
13/12/1967. Ou seja, a ordem constitucional de 1946 (vigente à época) já tinha
sido derrogada há muito tempo, sob os olhos e a chancela de uma Suprema Corte que
manteve um número expressivo de prisões e compactuou com o processamento de
civis pela Justiça Militar, conforme pesquisa registrada em
nosso livro “O poder judiciário e as ditaduras brasileiras”.
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