Titular: Helio Fernandes

segunda-feira, 9 de maio de 2016

Na ansiedade de ser "presidente", Temer desenterra o "Brasil do futuro", menos de 8 por cento acreditam

HELIO FERNANDES

A cada dia indecisão, recuo, retrocesso, desencontro com ele mesmo e com os que o seguiam, sem convicção, apenas com ambição e interesse pessoal. Antes mesmo de assumir, a fragilidade do eventual Michel Temer é uma sofrida fratura exposta. Esperava muito do ortopedista Eduardo Cunha.

Os males do vice, agora se espalharam perigosamente e o "medico" amigo já não pode ser consultado. Primeiro porque não está mais á disposição, como antes. E segundo, porque existe mais do que uma suspeita. Ele já não é a presumida ou reconhecida solução e sim, confirmada complicação. Mas essa descoberta, tardia, está longe de ser a mais importante. 

Logo que montou o espetáculo vicioso e viciado da traição-conspiração, foi assumindo compromissos resumidos numa palavra: inacreditáveis. E foram desacreditados por ele mesmo, pela incapacidade ou incompetência de cumpri-los. Sem nenhuma ordem hierárquica, palavra que Temer detesta, citemos com a mesma desordem que está nos planos, na mente e no coração do vice. E constatemos, surpreendidos e perplexos: sobrou apenas à obsessão de passar de vice a "presidente", não interessa quantas aspas sejam necessárias.

O objetivo inicial e fundamental, era fugir o mais possível do modelo usado pela presidentA, como ele chamava nos tempos de "vice decorativo", mas servo, submisso e subserviente. Não conseguiu. O primeiro descompasso foi à redução do numero de ministros, "pela metade". Não igualou, mas está perto. A qualidade e o comportamento, reprováveis e reprovados. Alguns nomes, vergonhosos, como os da Justiça, até com mais vetos do que aceitações. E ainda sem titular, reticências insuperáveis.

O Ministro da Ciência e Tecnologia, concessão e lembrança verdadeiramente incestuosas, pelo nome e pela profissão. Convidou e mais do que isso, confraternizou com um pastor criativista evangélico. Temer tem poucos conhecimentos, no entanto sabe que o Estado é laico. Mas ao preencher esse ministério, confundiu com aético, só foi atentar para isso, depois.

Na hora lembrou que a "bancada evangélica", reacionarissima, tem 90 deputados. Convidou logo o futuro "presidente", com as palavras, "vamos orar". Aceitou imediatamente. Temer deve incorporar á sua equipe na Câmara, a bancada da bola, da bala. Com os corruptos ou sem escrúpulos. Romero Jucá e Eliseu Padilha, que controlam no Jaburu a lista de adesões, comunicaram ao chefão: "Atingimos 400 deputados, podemos aprovar o que quisermos".

Talvez por causa dessa vantagem imaginaria, confessou a vários jornalistas, individualmente: “Não nomearei para Ministro alguém que esteja envolvido ou citado na Lava-Jato". Não demorou, mudou de posição, refletiu (?), concluiu: seria injustiça, ele também é citado. E apesar de passar a "presidente interino", (a partir da quarta feira depois de amanhã), pode e deve ser cassado pelo TSE. Ele e Dona Dilma, já "afastada". Os dois deviam ter perdido os mandatos, se o TSE não tivesse posição dúbia sobre o assunto: "Não devemos nos manifestar, enquanto a Câmara não resolver o impeachment".

Equivoco do TSE, repetido pelo Supremo

Não posso praticar a injustiça de imaginar, admitir ou acreditar, que os 7 Ministros do TSE, não saibam estabelecer a diferença entre crime de RESPONSABLIDADE e a CASSAÇÃO da chapa. Ou considerarem que os dois julgamentos não podem ocorrer simultaneamente. Também não existe prioridade para um julgamento ou o outro. O Legislativo pode começar e terminar o processamento do impeachment, com a certeza de que isso cabe a ele, exclusivamente. E o fato do TSE se manifestar antes ou depois, não provoca nenhuma colisão.

Pode haver condenação ou absolvição, duas condenações ou duas absolvições, nenhuma critica. O que é impossível é a omissão. Que já vem acontecendo. Tramitando ha 4 meses e agora com pedido de mais 90 dias, o vice Temer já ganhou uma sobrevida que não deveria ter. "A plebe vil e ignara das ruas", (royalties para o notável J. E. de Macedo Soares) foi ludibriada e enganada pelo TSE. Que ainda pode se reabilitar, realizando o julgamento no menor prazo possível. Não esperar para 2017. Temer, impopular e vulnerável, tem apenas 8 por cento nas pesquisas.

O TSE se omitiu, grave mas não definitivo. O Supremo, gravíssimo, optou pela cumplicidade. Voluntaria, irrecuperável, insanável. Não teve consciência para perceber que movimentava pessoas como se fossem pedras de xadrez. E que retirava ou colocava personagens na presidência da Republica, um cargo que poucos podem alcançar. Pois os Ministros do Supremo fizeram o impensável. Ha 4 meses, por unanimidade, declararam réu, o corrupto Eduardo Cunha. E nos mesmos 4 meses, entre data - venia e divergências que não conseguem superar, mantiveram esse mesmo corrupto, execrado por todos, como pró homem da Republica.

Se 1 mês ou 2 depois de transformá-lo em réu, tivessem feito o julgamento que fizeram na quinta feira, o país não teria como terá a partir das próximas 48 horas, dois presidentes. Um eleito pelo voto direto e afastado. E outro, vice sem voto, alçado á condição de presidente, não importa que interino. A confusão é total, Tudo o que acontecer a partir de agora, será colocado na conta negativa dos Ministros. Um onze avos para cada. Incluindo o relator, Teori Zavascki. Se ele tivesse dado o brado retumbante na hora certa, nada teria acontecido.

Computa, computador, computa

O titulo é do Millor, de 1980. Ele escreveu para condenar os que podem tudo, mas deliberadamente, em certas circunstancias, fingem sair do centro dos acontecimentos. Homenageio o gênio do Millor, e tento lembrar aos Ministros lances da sua própria historia. Poderia citar fatos que ocorreram desde 1926. Numa constituinte interna, ilegítima, mudaram e transformaram o Supremo.

Vou contar apenas o episodio que envolve também um vice.1955.   Juscelino, eleito e reconhecido, teve a posse contestada pela divisão de generais. Café Filho, que era vice desde a morte de Vargas, não queria reconhecer a vitoria de JK, se ligou a alguns generais golpistas.

Os generais que defendiam o direito democrático do vitorioso, liderados por Lott e Denys, garantiram a posse. O vice não se conformou. Depois de perder um Mandado de Segurança, entrou com Habeas Corpus no Supremo. Sessão rigorosamente histórica. Este repórter na primeira fila, sentado entre Milton Campos e Dario de Almeida Magalhães. O relator, Nelson Hungria, começou a falar em pé, magnifico, brilhante, magistral. Defendeu uma tese inteiramente subjetiva. Mas baseada e lastreada na segurança e na tranquilidade nacional, se transformou em objetiva, legitima, vitoriosa e aplaudida.

Qual a tese defendida por Nelson Hungria e aprovada por unanimidade? Café Filho era um conspirador mais do que notório, o país não teria paz. Ratificando Nereu Ramos, eleito constitucionalmente pela Câmara na vacância dos cargos, passaria o poder a JK, na data marcada. Juscelino viajou 1 mês na condição de 
presidente eleito e ainda não empossado. Voltou, tomou posse, governou os 5 anos do mandato, passou o cargo ao sucessor.

O Supremo ainda pode anular a tramitação e a votação do impeachment na Câmara, visivelmente viciada, conspurcada e prostituída pela presença de Eduardo Cunha. E determinar a prisão preventiva dele, sugerida nos votos dos Ministros Fachin e Gilmar Mendes. Com essa anulação, o Senado não teria o que fazer hoje, terça e quarta. E talvez o TSE acelerasse a inevitável cassação por corrupção da chapa Dilma -Temer.
O "novo" presidente da Câmara

Os acólitos e apaniguados do vice, gastaram as ultimas 72 horas na procura de um presidenciável parlamentar. O vice afirmou publicamente, "não participarei de coisa alguma, deixarei os partidos decidirem". Mistificação, igual ao "ministério de notáveis", compromisso de modificar completamente os acontecimentos. E para encurtar, o tão prometido "pais do futuro", que comandado por ele, será apenas excrescência. Ou reminiscência dos últimos tempos, sempre com a participação dele, naturalmente sem disputar eleição.

Dos 513 deputados, apenas 16 ou 20, podem pretender a presidência

Parece exagero. Mas enquanto Temer e outros poderosos do esquema, mantinham o corrupto Eduardo Cunha, e se acumpliciavam para garantir objetivos escusos, este repórter imaginava a sucessão de Cunha. Ficamos todos, de norte a sul, estarrecidos com a declaração do vice Waldir Maranhão. Um jornalista fez uma pergunta. 

Falou: "Antes de responder, tenho que conversar com Deus". Não pretendo desacreditar sua fé ou crença. Mas conversar com Deus em pleno expediente, é um acinte, uma demonstração de primarismo, que o desacredita para qualquer função publica ou representativa.

A partir de 1945, fiz o meu primeiro trabalho parlamentar importante. Durante 7 meses e 18 dias, convivi com deputados e senadores, vi como se fazia uma Constituição. Conheci deputados depois senadores,Ministros, governadores, até presidentes da Republica.

Nesses 70 anos, que contatos, que informantes, que participantes. Nas duas ultimas semanas, lembrei, relembrei, comparei. Que vergonha destes políticos que inauguraram a politicalha. Na cidade mais bonita do mundo, a mais emporcalhada usina de lixo, no Parlamento mais caro que se conhece. Por causa disso, encontrei apenas 3 por cento, capaz de assumir, com dignidade, credibilidade e capacidade, sua presidência. 

PS- Desde janeiro, Dona Dilma repete: não renunciarei. A partir de quinta feira, o refrão vem do palácio presidencial de  Eduardo Cunha:não renunciarei. Quem sabe quando o terceiro personagem pronunciará as mesmas duas palavras. Se vierem, o som será ouvido do Planalto ou do Jaburu?


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