QUEM
TEME OS PROFESSORES?
Jorge
Rubem Folena de Oliveira
Tramita na Câmara dos
Deputados o Projeto de Lei 867, de 2015, de autoria do Deputado Izalci Lucas
Ferreira, do PSDB/DF (do mesmo partido do “professor” sociólogo Fernando
Henrique Cardoso), que pretende introduzir o “Programa Escola sem Partido”, que tem por objetivo claro emparedar
a categoria dos professores brasileiros, uma vez que visa proibir, “em sala de
aula, a prática de doutrinação política e ideológica, bem como a veiculação ou
a realização de atividades que possam estar em conflito com as convicções
religiosas ou morais dos pais ou responsáveis pelos estudantes.”
O projeto de lei, numa
tentativa de se demonstrar avançado e de acordo com os princípios liberais,
procura estabelecer que a educação nacional atenderá:
1) à neutralidade política,
ideológica e religiosa do Estado;
2) ao pluralismo de ideias
no ambiente acadêmico;
3) à liberdade de aprender,
como projeção específica, no campo da educação, da liberdade de consciência;
4) à liberdade de crença;
5) ao reconhecimento da
vulnerabilidade do educando/estudante como parte mais fraca da relação de
aprendizado;
6) à educação e informação
do estudante quanto aos direitos compreendidos em sua liberdade de consciência e de crença;
7) ao direito dos pais a que
seus filhos recebam a educação moral que esteja de acordo com suas próprias
convicções.
Como se pode ver, ao
contrário do que anuncia, o projeto de
lei atenta diretamente contra as liberdades democráticas (artigo 1.o
da Constituição), pois tem como objetivo engessar os professores no exercício do
seu ofício profissional e constitui um “rosário” de violações aos princípios
constitucionais:
1) do
exercício da cidadania (artigo 1.o, II);
2) do
pluralismo político (artigo 1.o, V);
3) da
formação de uma sociedade livre, justa e solidária (artigo 3.o, I);
4) contra
a discriminação (artigo 3.o, IV);
5) da não
privação de direitos por motivos de crença religiosa ou de convicção filosófica
ou política (artigo 5.o, VIII);
6) da
liberdade de expressão da atividade intelectual e científica e de comunicação,
independentemente de censura ou licença (artigo 5.o, IX);
7) do
livre exercício do trabalho, ofício ou profissão (artigo 5.o, XIII);
8) do
livre aceso à informação (artigo 5.o, XIV);
9) da
liberdade de aprender, de ensinar, de pesquisar e de divulgar o
pensamento, a arte e o saber (artigo
206, II);
10) do pluralismo de ideias e de concepções
pedagógicas (artigo 206, III);
11) do ensino da História do Brasil, que deverá levar
em conta as contribuições das diferentes culturas e etnias para a formação do
povo brasileiro (artigo 242, parágrafo 1.o).
O “medo” dos patrocinadores
do projeto de lei é que os professores possam se aproveitar “da audiência
cativa dos alunos, com o objetivo de cooptá-los para esta ou aquela corrente
política ideológica ou partidária”. É a
“confissão” tosca dos que acreditam que os professores detêm este poder absoluto e imaginam, os defensores da
iniciativa parlamentar, ser possível despolitizar completamente uma sociedade.
Na verdade, o medo não é da
politização dos estudantes, que é muito
positiva para a sociedade, pois nos leva a exigir dos políticos uma atuação
como mandatários da vontade popular, impedindo-os
de a agir conforme seus interesses privados ou os dos seus financiadores de
campanha.
O real objetivo desse
malfadado projeto de lei é desmantelar e desmobilizar a forte categoria profissional
dos professores (que, inclusive, levaram
à derrota de Aécio Neves na última eleição presidencial, quando o magistério
mineiro denunciou os seus desmandos na educação no Estado de Minas Gerais)
e criminalizá-la, a exemplo do que vem sendo feito com o movimento social nos
últimos tempos.
Assim, o projeto de lei é
uma agressão direta à categoria dos professores (independentemente de suas
origens ideológicas ou religiosas) e, de maneira transversa, visa desconstituir
o enunciado de “uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceito, fundada
na harmonia social”, proposto no preâmbulo da Constituição de 1988.
A atual legislatura – tomada
pela força do capital, que norteou com força máxima as últimas eleições –
procura acender o ódio entre as classes sociais, no Brasil, e age também para
debilitar a defesa da soberania nacional, tanto sob o aspecto material quanto cultural.
A democracia brasileira está
sendo testada, diuturnamente, pela atual legislatura, tomada majoritariamente
por representantes de segmentos empresariais, rurais, fundamentalistas e
moralistas, que se acham no direito de impedir e calar a todos os brasileiros
que pensam e agem de forma diferente da sua.
Em decorrência da infeliz
“judicialização”, que revela o fracasso da política, a bola foi novamente transferida
para os pés dos ministros do Supremo Tribunal Federal, uma vez que, neste grande
teste contra a democracia, já foi aprovada, no Estado de Alagoas, a lei
7.800/2016, que instituiu o “Escola Livre”, cujo conteúdo é semelhante ao do
projeto de lei em referência.
Em 30/05/2016, a lei
alagoana teve a sua constitucionalidade questionada no Supremo Tribunal Federal
pela Confederação Nacional dos Trabalhadores de Ensino, por meio da Ação Direta
de Inconstitucionalidade 5.537, cujo é relator o ministro Luís Roberto Barroso.
Por fim, vale lembrar que,
entre 1.o de abril de 1964 a dezembro de 1967, o Supremo Tribunal
Federal também foi testado pela ditadura militar-civil, que permitiu
passivamente a constante mutilação da Constituição de 1946 e, dessa maneira,
deram causa ao Ato Institucional número 05, de 13 de dezembro de 1967, diante
do qual todos os “escrúpulos de consciência” foram jogados “às favas” pelo
“passarinho”, que se foi neste último dia 05/06/2016.
Foi este Passarinho que, à
frente do Ministério da Educação, deixou de legado aos brasileiros o
desmantelamento do sistema público de ensino, em favor da iniciativa privada, a
partir da ditadura militar.
*Jorge Rubem Folena de
Oliveira - Advogado constitucionalista e doutor em ciência política
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