Titular: Helio Fernandes

sexta-feira, 24 de julho de 2015


A Grécia de 2015 e a exploração no mundo

Jorge Rubem Folena de Oliveira
24.07.15

A atual resistência do governo grego em aceitar as imposições do Fundo Monetário Internacional e dos países ricos da Comunidade Europeia (que exigem mais aumentos de tributos, redução do pagamento de pensões aos idosos, ampliação da idade para a concessão de aposentadorias, redução de gastos sociais, congelamento de salários, mais privatizações, concessões etc.) nos faz lembrar que tudo isto está ocorrendo, neste momento, também no Brasil e em vários outros países.

É a imposição das forças hegemônicas, lideradas pelos banqueiros, contra todas as formas de organização do trabalho (aí incluídos a legião de miseráveis, os desempregados, os que lutam para se manter em seus empregos formais e aqueles submetidos a relações precarizadas de trabalho).

Tal imposição, hoje, alcança até mesmo o que restou de segmentos empresariais, como comerciantes, industriais e prestadores de serviços, que resistem para manter suas atividades econômicas fora do controle direto ou indireto dos bancos (que manipulam o setor produtivo com a cobrança de taxas exorbitantes de juros e custosos serviços bancários).

No atual contexto histórico, o conceito de lutas de classe é evidente do que nunca, pois a exploração do trabalho está mais contundente do que nos séculos XIX e XX, uma vez que todos os indicadores econômicos e sociais revelam uma concentração de renda tão brutal que possibilita que “o passado devore o presente”. (Thomas Piketty).

Num  cenário em que o número dos mais ricos é cada vez menor, ao passo que aumenta a concentração de pobres e miseráveis, é necessário retomar a reflexão, proposta por Rousseau no século XVIII, sobre as causas e origens das desigualdades sociais, que persistem em pleno século XXI e consistem “nos diferentes privilégios desfrutados por alguns em prejuízo dos demais”.

Do alto de sua superioridade e privilégios, os ricos exploram todos os recursos da terra numa cobiça quase desmedida (Papa Francisco). A fim de manter este processo exploratório, é preciso desviar o olhar da sociedade. Para isso,  implantam um estado de medo e tensão que provoca a impressão de que a desordem social é causada pelos pobres e miseráveis, e não por eles e seu modo de vida esbanjador.

Nesse quadro de violência direcionada contra os pobres, a classe hegemônica e rica propõe, por todos os cantos, a ampliação da construção de penitenciárias (preferencialmente privatizadas e exploradas para dar lucro aos seus concessionários). A sociedade, amedrontada, não consegue perceber que o aumento das penas de restrição de liberdade e a diminuição da idade penal tem como finalidade manter abastecido o lucrativo sistema carcerário, em que as pessoas provavelmente ficarão mais tempo detidas.

Outra forma de exploração promovida por essa pequena parcela dos mais ricos ocorre com a ajuda institucional de governos, em conjunto com os parlamentos, que aprovam leis que favorecem o endividamento público dos países e concedem vantagens fiscais para os bancos.

Neste caso, os títulos das dívidas públicas dos estados soberanos são rigidamente controlados por alguns bancos, que exigem elevadas taxas de remuneração e impõem a privatização do patrimônio público, a concessão de lucrativos serviços públicos, reformas das garantias trabalhistas vigentes e a ampliação dos mecanismos de precarização das relações de trabalho, além da diminuição da atuação estatal no controle e fiscalização da economia. Tudo isso enfraquece os países (que têm sua soberania aviltada) e a sociedade (que precisa trabalhar mais dias e horas para pagar a elevada conta apresentada).

Porém, o mais perverso é que os cidadãos, por não compreenderem o que se passa, são jogados uns contra os outros, reduzidos à defesa de seus interesses de sobrevivência, restando quase certa a “naturalização” da exploração (Slavoj Zizek).

A materialização de tais objetivos se efetiva pelo controle do poder midiático e da radiodifusão, que propaga na consciência do povo o medo e a incerteza que paralisam a sociedade.  E esta, em vez de trabalhar para promover o desenvolvimento e a geração de renda, suspende o processo de produção e deixa seus recursos depositados nos bancos.

O momento, mais do que nunca, exige reflexão. Já faz um certo tempo que se inculcou a ideia de que, de um lado está o Estado e, do outro, a sociedade civil, como se fossem coisas diversas e inimigas entre si (Ellen Wood). Com isto, pavimentou-se o caminho para convencer os cidadãos de que não existe mais luta de classes na democracia atual. Sob essa falsa premissa, o Estado é controlado pelos muito ricos, que  exploram a todos.

Ora, ao contrário do que se pretende impor como verdade, mais do que nunca o conceito de luta de classes se  mostra evidente, como esclarece Domenico Losurdo, pois o grau de exploração e desigualdade se amplia cada vez mais, com os poucos ricos exigindo mais trabalho do resto do conjunto da sociedade. É o que se revela com a universalização da desvalorização dos trabalhadores formais e informais, e também dos segmentos empresariais, que estão endividados, submissos e sem capacidade de reação diante do poder dos bancos.

Em igual medida, o conceito de luta de classes também está vinculado à proibição de qualquer forma de financiamento privado de campanhas eleitorais, uma vez que mais os ricos, com o poder do dinheiro, detêm a capacidade de controlar todos os cargos eletivos nos governos e no parlamento, retirando da classe média e dos pobres o direito à representação.

Assim, diante do dilema das imposições feitas pelas instituições que representam os interesses dos ricos, os gregos, em 2015, nos abriram a possibilidade de “ver para conhecer” (Santo Agostinho).

Com efeito, estes acontecimentos, ora enfrentados e confrontados pelos helênicos, possibilitam à humanidade enxergar que está sendo imposta uma dura forma de exploração dos povos, implementada pelos bancos, que controlam a economia;  que sufocam os países com a exigência de reformas previdenciárias e trabalhistas; impõem arrochos salariais e a redução de investimento público em áreas sociais (saúde, educação e moradia); que induzem a privatização de empresas públicas, se apoderam de concessões de serviços públicos rentáveis e levam os estados a um excessivo e descontrolado endividamento.

Ademais, pode-se afirmar que, por detrás dos segmentos que defendem o financiamento privado de campanhas eleitorais estão os mesmos que pregam a criminalização dos movimentos sociais e até mesmo de crianças e adolescentes etc.

Portanto, diante da crescente desigualdade social, entendemos que a luta de classes está cada vez mais acirrada, fazendo com que sejam disseminados, na sociedade, os sentimentos de segregação e ódio, próprios do fascismo e de um estado de exceção, retomado com mais evidência a partir do onze de setembro de 2001 (Giorgio Agamben), sob o rótulo do “terrorismo”, que, no passado, denominavam de comunismo totalitário.

Bibliografia:
AGAMBEN, G. Estado de excepção. Lisboa: Edições 70, 2010.
AGOSTINHO, S. Sobre a potencialidade da alma. Petrópolis, Vozes, 1997.
LOSURDO, D. A luta de classes: uma história política e filosófica. São Paulo, Boitempo, 2015.
PIKETTY, T. O capital do século XXI.  Rio de Janeiro: Intrínseca, 2014.
ROUSSEAU, J.J. O contrato social. São Paulo: Editora Cultrix, 1995.
WOOD, E.M. Democracia contra capitalismo: a renovação do materialismos histórico. São Paulo: Boitempo, 2011.

ZIZEK, S. Violência. Seis notas à margem. Lisboa: Relógio D’Água, 2009.

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