Titular: Helio Fernandes

quinta-feira, 10 de setembro de 2015

(REPRISE DAS MATÉRIAS MAIS ACESSADAS)
10.09.15
HELIO FERNANDES
Publicada em 04.06.14

PARTE - II

Os que estavam no poder, eram divididos em sensatos e insensatos. 

Falavam muito em “linha dura”, mas isso era forma de simplificar. “Linha dura” era composta por aqueles que logo queriam torturar e matar. Os outros, eram os que acreditavam em diálogo, todos, milhares, iriam sendo “passados para a reserva, como traidores da revolução”. Que iria sendo identificada com sua própria fisionomia de golpe.

Depois de um tempo de silêncio, o general falou para um coronel: “Onde está o carro que vai levar o jornalista?”. Uma quase revelação, eu iria para algum lugar, poderia ser bom ou ruim. O carro chegou, me levaram até ele, Fiuza disse para o coronel: “Vá com ele, não quero que desapareça pelo caminho e nos acusem e culpem”.

Parecia um destino razoável, mas fiquei ainda sem saber. No carro o coronel (de uma grande família de militares de carreira) me disse: “Vamos para o Hospital Central do Exército”. Mas terminou com uma declaração surpreendente: ”Ao senhor não vai acontecer nada”. Naturalmente com outros ACONTECERIA.

Fiquei lá uma semana, a única satisfação era a conversa com o médico. Sobrinho de Manoel Bandeira, contava histórias admiráveis dele. Uma semana depois fui libertado. Na portaria do hospital, em Bonsucesso, me entregaram mala com roupas. Provavelmente minha família sabia, não me falaram nada. Peguei um taxi, logo estava em casa. 

Herzog foi assassinado pelos insensatos. 

Preso na TV-Cultura, não era para ser morto. Mas seus prisioneiros obedeciam ordens do poderoso general Eduardo D’Avila Mello, comandante do II Exército. Já fora advertido pelo general Geisel, “não quero violência contra ninguém”.

Quatro Estrelas, comandante do II Exército (que englobava São Paulo), suas ordens foram as mais específicas e minuciosas possíveis. Acreditava que nada iria lhe acontecer. Mas aconteceu.

Quando soube da morte (assassinato) do jornalista, Ernesto Geisel mandou preparar o avião, “vou para São Paulo”. Muitos queriam ir com ele, foi duro e definitivo: “Vou sozinho”. Chegou em São Paulo mandou chamar o general Ednárdo, disse imediatamente: “O senhor está demitido, vai chegar do Rio o novo comandante do II Exército”.

O general Ednárdo não acreditou, nunca um general comandante do Exército foi demitido dessa maneira. Ficou parado, perplexo, Geisel fulminou: “Pode se retirar, o senhor não tem mais nada a fazer aqui”. 

Confissão do general Cordeiro de Farias. 

Na minha casa, só ele e o grande criminalista Oscar Pedroso Horta, Ministro da Justiça de Jânio, e talvez a única pessoa a saber da “renúncia”, Cordeiro contou o seguinte. Foi interventor no Rio Grande do Sul, e depois governador de Pernambuco, eleito pelo voto direto. Fez muitos amigos, de vários setores.

Um dia recebeu telefonema do Recife. Um amigo advogado, contava que seu filho de 21 anos estava preso no DOI-Codi, apavorado que fosse torturado. Ligou logo para Orlando Geisel, pediu providências. Relato integral de Cordeiro de Farias: “Ele me disse, vá lá na Barão de Mesquita, mostre a identidade de general, chame o coronel, (foi dizendo os nomes) diga que fala em meu nome, que em mandei soltar logo o estudante”.

Continuando: “Fui, não me deixaram nem passar da portaria, telefonei de volta para o Ministro Geisel: Você não manda nada, não pude nem entrar, nem procurar o coronel da tua confiança”. O general-Ministro perguntou onde eu estava, mandou esperar. Chegou fardado, foi demitindo todos que apareciam. O coronel encontrou o menino que procurávamos, conseguiu retirá-lo.

E Cordeiro de Farias, ainda emocionado: “Não adiantava mais nada, ele já fora torturado”. O coronel explicou que procuravam informações. E Pedroso Horta, revoltado: “Que informações poderiam obter de um estudante de 21 anos?”. 

Os personagens do “Pasquim”, presos, mas na Vila Militar. 

Quero terminar com este episódio que mostra a diferença do Exército dos generais ambiciosos e torturadores e dos oficiais que repudiavam o golpe, quase todos perseguidos e expulsos.

Os jornalistas do “Pasquim” ficaram num Batalhão de Paraquedistas. 60 dias de prisão. Mas o comandante, duas ou três vezes por semana, “pernoitava” no quartel, jantava com alguns. Que diferença.

Por hoje acho o suficiente. Fui preso outras vezes, cassado, sequestrado, desterrado, proibido de escrever, e mais e mais. Os fatos que estão aqui, tiveram o repórter como personagem, observador e participante. 

FIM
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