O Congresso rasgou a
Constituição. Dona Dilma, mais livre do que antes.
HELIO FERNANDES
Em 95 anos de
idade, e 82 a partir do dia em que entrei numa redação, para sempre, jamais assisti
um espetáculo como o de ontem. Não apenas erros, equívocos, deturpações mas
também o desrespeito total e absoluto da Constituição. E tudo premeditado e
comandado pelo presidente do supremo. O órgão cuja única função, seria a de
interpretar e defender a Constituição. Também perdeu passiva e voluntariamente
essa prerrogativa. Julga questões muito menores, que jamais deveriam chegar á
mais elevada alçada da Justiça.
Deixemos
para depois a aberração compartilhada da inconstitucionalidade, examinemos as
duas votações de ontem. A primeira para a cassação DEFINITIVA de um presidente
já afastado. E a segunda, como conseqüência de fato e não de interpretação
ocasional. As duas, rigorosamente previstas na Constituição.
A trajetória
da primeira, a cassação, politicamente vergonhosa, calamitosa, ruinosa, sem
precedentes na nossa Historia. Omissão e cumplicidade de partidos e de
lideranças para chegar ao poder longe do povo. A traição é a bandeira da
politicalha, e foi desfraldada pelos caminhos mais escusos. Carregada por
grupos e personagens os mais corruptos e ambiciosos.
Mas por
mais que pareça extravagante, não houve rompimento da Constituição. De um lado
o grupo que juntou número suficiente para garantir a vitoria, na Câmara e no
Senado. Do outro, uma minoria localizada e inconsciente, que estava no Poder
mas não o exercia. E assim, foi acompanhando a derrota. Tentando identificá-la
como golpe. Enquanto insistiam nessa denominação, os que "construíram"
essa maioria, percorriam o roteiro sujo que traçaram. Sujo do ponto de vista
moral. Mas rigorosamente legal.
Não
cometeram um só erro. Tudo foi feito a descoberto. Transmitido por jornais, rádios,
televisões.Gastaram mais ou menos três meses até chegar ao amaldiçoado 17 de
abril.Ligeiras interrupções para conversas até pessoais, entre a
presidentA da republica. E o corrupto presidente da Câmara. Este, executor,
porta voz, e comandante da votação na Câmara. Que facilitaria e consolidaria o
resto do percurso, a ser percorrido exclusivamente no Senado.
Com nojo,
asco, constrangido e envergonhado, escrevi sobre esse domingo. Chamei de
ultrajante. Degradante. Humilhante. Mas foi amplamente vitorioso. O senhor Eduardo
Cunha, com intimidação,como revelei, conseguiu 40 ou 50 votos. Ninguém
protestou. No dia seguinte, pessoalmente foi levar o processo ao senado. Continuou
ontem, com a cassação. 61 a 20, todos acertaram.
Veio
então a surpreendente inconstitucionalidade, premeditada e rigorosamente combinada
entre os dois grupos. Com pleno conhecimento e aceitação do Ministro
Lewandowski. Pela Constituição, o presidente, homem ou mulher, teria que perder
os DIREITOS políticos por 8 anos. O presidente do Supremo, mesmo faltando 12
dias para terminar o mandato, estava impedido de ler aquela aberração. Mas leu
e referendou.
Surgiu
então a monstruosidade. Como estava decidido no acordo, Dona Dilma PERDEU OS
DIREITOS, MAS NÃO ESTÁ INADAPTADA PARA A VIDA PUBLICA.
Essa vida
publica, se exerce através de eleição ou nomeação. Dona Dilma está livre para
os dois casos. E ela, que admitia: se não perder os direitos, será candidata ao
senado. Agora pode concorrer á presidência, em 2018. Quer dizer: cassaram um
mandato, mas lhe deram a possibilidade de disputar vários. Até mesmo recuperar
a presidência, que lhe roubaram ontem.
PS- A
senadora Katia Abreu, que participou de tudo, não se conteve: e no seu o discurso
de encerramento, deixou visível o que acontecera. E chamou a atenção, de
alguns, que faziam discursos contraditórios. Como se não houvesse o acordo, do
conhecimento de quase todos.
PS2-
O senador Renan Calheiros, o penúltimo a falar antes da votação, fez
"apelo" para que todos votassem conforme o combinado. Como ninguém
confia nele, é possível que não tenha sabido.
PS3-De
qualquer maneira, as coisas e os fatos não podem ficar como estão. Todos têm
que ser punidos, com acordo ou sem ele. É a maior MONSTRUOSIDADE que já
conheci. Cassar um presidente, e permitir que ele continue exercendo os cargos
que bem entender.
PS4- E o que representa aquela votação de 42 a 36? Pra cassar, dois terços. Para "devolver" o direito de exercer a vida publica, um número qualquer, quase minoria. O que dizem Aécio, Nunes Ferreira, Cunha Lima, Caiado.
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