Titular: Helio Fernandes

sábado, 2 de maio de 2015

BEM ANTES DE MORRER, EM 1977, LACERDA RESPONDEU AOS MILITARES EM 1967, COM ARTIGO INIMITAVEL, INEXORAVEL, IRREFUTAVEL. MAS EMOCIONANTE.

HELIO FERNANDES
02.05.15

Em maio de 1979, por volta de 11 da manhã, sentiu uma pontada no coração, foi levado para a Casa de Saúde Santa Lucia. Saúde ótima, nunca esteve doente, fez todos os exames, os médicos, satisfeitíssimos, disseram: “O governador, (já não era) está ótimo, vocês podem ir para casa, ele ficará em observação”. (É obrigatório).

Acabaram de chegar em casa, receberam o recado do hospital: “Voltem, Lacerda está passando mal”. Foram correndo, não conseguiram se despedir, estava morto. 63 anos, logo em 1979, viria a anistia, recuperaria os direitos, sabia-se pela família, sua obsessão continuava sendo a Presidência da República.

Fui me despedir dele no dia seguinte, bem cedo, no velório. Na madrugada escrevi um artigo já saudoso, que publiquei enquanto ele estava sendo velado. Esse artigo é um dos meus preferidos. Sua morte não teve a repercussão que merecia, recebeu obituário formal, era o mínimo.

Agora, em 2013, quando se completavam 100 anos do seu nascimento, “esquecimento” total. Nenhum órgão jornalístico registrou. A dignidade, combatividade, austeridade não têm grande popularidade. Está bem que Lacerda desagradou muita gente. Mas também agradou bastante. Pode ser dito, lugar comum na época: “Lacerda era odiado por 50% por cento, amado pelos outros 50%”. Isso é indiscutível.

Poderia continuar indefinidamente, preciso parar. Agradeço a você, Fernando Pawwlow, por ter trazido o assunto. Mas tenho que retificar o absurdo gritante que está no “depoimento”, transcrito aqui. A frase atribuída a mim, é rigorosamente verdadeira. Disse sobre Lacerda, o que está publicado. Nunca fui (necessariamente) tão duro.

Antes de 68.

Só que foi nessa data vivíamos em curto tempo, outra vida, outra realidade, relação com o nosso debate, a prisão e a prorrogação, foi aprovada Castelo "governara” mais dois anos, já morrera Costa e Silva era "presidente". 

Você mesmo publicou que em 1967, dei uma entrevista ao Sebastião Nery, que publicou na revista Status. (57 páginas improvisadas). E aqui mesmo foi escrito que nessa entrevista eu que comecei o debate com Lacerda. Como é que em 1967 eu podia revelar o início do debate de 1968?

Esse diálogo aconteceu em março de 1965, com ele ainda governador. Assim que se empossou, formou um grupo de jovens arquitetos e engenheiros, admiráveis. O projeto do revolucionário Túnel Rebouças é deles, executado pelo secretário Marcos Tamoio, depois prefeito do Rio.

Pediu a eles para aproveitar um subterrâneo de "guardados, vassouras, material de limpeza", e fazer um cineminha. Fizeram, com 12 poltronas, uma geladeira, máquina
de café, tudo muito simples. Passamos a conversar lá. (Ele adorava cinema, eu também, útil ao agradável).

Uma noite me telefonou (sempre depois de 9 ou 10 horas), perguntou, "vamos ver um filme?", fomos. O filme era "007 contra Moscou", aquele em que ha um assalto medonho de ratazanas, devastador, embora naquela época não existissem ainda empreiteiras corruptas-corruptoras. Conversamos sobre prorrogação de mandato, de Castelo, assunto obrigatório.

Disse a ele, textualmente: "A Câmara está totalmente dividida, você derruba a prorrogação com meia dúzia de telefonemas, estão esperando".

Demorou mas respondeu: "O doutor Julio Mesquita me disse que se a prorrogação, for derrotada haverá novo golpe". (O Doutor Julio Mesquita, diretor e proprietário do jornal Estado de S. Paulo, era a única influencia absoluta sobre Carlos Lacerda).

Respondia então com a frase que está publicada, mas em época inteiramente diferente.
Textual? "Se a prorrogação for aprovada (foi). Você será responsabilizado pelas consequências. Será um erro tão grande quanto o que você praticou indo EXPLICAR o golpe na Europa".

 A ameaça maior era a prorrogação, talvez o douto Julio Mesquita estivesse mesmo com razão, Mas era uma oportunidade magnífica. Infelizmente Lacerda não percebeu, ou quem sabe achava que no momento a, melhor opção era esperar.

Não era. A prorrogação foi aprovada por um voto.

Lacerda deixa o palco, muito antes da morte.

Em agosto de 1966, não mais governador, me telefona: "Vamos almoçar?". Fomos. Era sempre no Museu de Arte Moderna. Restaurante magnífico, e a aura do ambiente, criado e supervisionado pelo gênio do Gustavo Afonso Ready. Antes já plantara o “pedregulho”, (entre São Cristovão e o Estádio do Vasco) ainda mais gênio.

Um edifício de três andares, 348 confortáveis apartamentos, painéis de Portinari, Jardins de Burle Marx. E a doação generosa da natureza. Aquela vista ampla, geral e irrestrita, nada a ver com hipocrisia e a "autoabsolvição" dos generais de 1979.

Estranhei o fato de sermos só nos dois. Quando sempre com Renato Archer (sub-secretario do chanceler Santiago Dantas), no "parlamentarismo com Tancredo". Quando o chanceler saiu para se candidatar a deputado, assumiu. O Alfredo Machado, dos mais íntimos amigos de Lacerda, sem quer cargos, tinha a importante Editora Record.

A resposta para a minha estranheza vaio logo. Esperando o café, me mostrou um artigo. Titulo: Carta a um ex-amigo fardado". Respondia aos militares que o admiravam e seguiam incondicionalmente. Passaram a persegui-lo cruelmente, prenderam e cassarem, depois da "Frente Ampla' e a ida a Montevidéu conversar com o ex-presidente João Goulart. Emocionante.

Ia guardar, Lacerda pediu de volta, explicou; 'Tenho que publicar no Globo, o Roberto Marinho seguidamente me diz que eu só escrevo para você e para a Tribuna da Imprensa". Saiu lá, enorme repercussão, não pelo veículo e sim pelo conteúdo.

As relações Carlos Lacerda - Roberto Marinho eram tumultuadas, agressivas, hostis, ou as vezes, amáveis e ou até agradáveis. Marinho pensava em dinheiro, favores, privilégios, sempre no caminho do enriquecimento. Licito ou ilícito, para ele não havia diferença, praticava o holocausto contra todos, usava e enganava-se a própria opinião pública, sem constrangimento.

Vou contar dois episódios, rápidos, rigorosamente verdadeiros, poderia citara dezenas ou centenas que mostram o caráter (falsidade) de Roberto Marinho. Contei isso diariamente por mais ou menos 50 anos, quando ele era vivo e poderoso. Tentou, mas jamais conseguiu falar comigo, apesar dos intermediários importantes.

1 – O Parque Lage, um monumento tombado, foi comprado (?) por Roberto Marinho no inicio de 1960. Pediu a JK para “destomba-lo”, conseguiu quase que imediatamente.
Lacerda conseguiu em 5 de dezembro desse mesmo 1960, voltou a tombar o extraordinário monumento. De acordo com a Constituição, depositou o “justo valor”, uma ninharia, mudou tanto de moeda, não sei quanto era.

Como aquele enorme terreno e as construções eram dele, entrou na Justiça. Em 1974, Marinho recebeu uma fortuna. Esperou 14 anos, mas o lucro, fantástico. Investiu na “compra”, miséria, que se transformou num investimento magnífico.

2 – Em 1963, Copacabana altamente valorizada e esgotada, num pantanal aterrado, montaram o que se chamou Bairro Peixoto. Edifícios de 12 andares, procura enorme. Um dia, o pantanal “reivindicou” sua propriedade, um edifício desabou. A Assembleia Legislativa, assustada, imediatamente, por unanimidade, reduziu para seis andares o gabarito de novas construções.

Roberto Marinho comprou a propriedade, logo pediu aprovação um edifico de 12 andares. O órgão responsável votou imediatamente, “no local o gabarito é de seis”. Procurou o governador, pediu que intervisse para que a licença fosse “concedida para 12 andares”. Lacerda respondeu até sem hostilidade; “Roberto não posso conceder, se fizer isso vou preso, peça outra coisa”.

Não pediu. Mas 48 horas depois, Na Primeira do Globo, com destaque, aparecia o cadáver do Major Vaz, assassinado em 1954. Oficial da FAB, pertencia a um grupo que acompanhava Lacerda ameaçado de morte.
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Helio Fernandes.


Estimado jornalista. É com satisfação que leio seus comentários, bem elucidados e detalhados, nos dando uma perfeita visão do que foram os anos de chumbo no Brasil. No entanto gostaria que escrevesse sobre as Torres Gêmeas, tragédia terro/política que mudou a face do mundo. Por exemplo: Você falou do atentando ao tabloide Charlie, e lembro bem em sua primeira matéria, abordou uma questão de fundo, que acho importante, é quanto a influencia que as Torres Gêmeas acabaram por estimular outras ações, se com menos vitimas, mas danosas. Uma vez li que terroristas estariam articulando jogar um avião sobre a Disney. De la para cá muitas especulações. – Silvio M Carvalho – Salvador-BA.


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