HELIO FERNANDES
Publicada em 04.06.14
PARTE - I
O excelente repórter, Chico Otávio entrevistou o coronel Riscala
Corbage, que disse textualmente: “Torturei mais de 500 presos”. E como os
outros, principalmente o coronel Paulo Belham, (que foi logo silenciado), se
despediu com a afirmação: “Não tenho o menor peso na consciência”.
Chico Otávio encerrou com essa confissão, mas começou de maneira ainda
mais jornalística: “O cara urra de dor”. Belham também tinha sua frase de
bolso: “Não tenho remorso ou arrependimento”.
Só que os dois mentiam avidamente, por simples exibicionismo.
Acreditavam que confessando e exagerando, voltavam ao apogeu. Acima dos 70
anos, quase chegando aos 80, imaginavam (e Corbage ainda imagina) que nada
aconteceria a eles. Como todos os generais principalmente os que chegaram a
“presidentes”, morreram, não pensavam que surgisse essa expressão de duas
palavras: “crimes imprescritíveis”.
Confissões de mim mesmo
Esse capitão da Polícia Militar, Tenente coronel na reserva, torturou
muito e não se pode desmenti-lo: com o maior prazer. Só que mente em alta
velocidade, desabaladamente. O Exército sempre teve desprezo e desapreço pela
Polícia Militar. E esta, total ressentimento, por causa da hierarquia.
Os oficiais da Polícia Militar só chegavam a coronel, paravam por aí. E
os comandantes eram sempre Generais, lógico, do Exército. Lutaram dezenas e
dezenas de anos para mudar a situação. Foram conseguir quando se revoltaram
contra o general Fiuza de Castro. (O filho, o filho, o pai era ótima figura, a
genética não exerceu o seu poder).
E esse Fiuza de Castro foi um dos mais displicentes comandantes do
DOI-Codi. Não torturava pessoalmente e provavelmente não sabia de tudo o que
acontecia. Mas existiam centenas de oficiais do Exército servindo no DOI-Codi e
não deixariam que um Capitão PM exercesse tanto Poder para a tortura de “500
presos”.
Minha primeira ida ao DOI-Codi, seu comandante era precisamente Fiuza de
Castro. Saltei lá naquela entrada enorme, com cartazes do PIC, (Pelotão de
Investigação Criminal), uma figura fardada apontando um dedo para a frente,
como se fosse uma ameaça, devia ser mesmo.
Mais ou menos 11 da noite. O Exército não transportava presos, aqui no
Rio isso era feito pela polícia. Eles me diziam: “Ficamos assustados em trazer
alguém, sabemos o que acontece”. Me levaram para uma sala, um Major explicou:
“O general Fiuza já foi comunicado, está chegando”.
Esse local não era tão grande quanto parece. Éramos obrigados a ouvir
gritos de tortura, incessantes, assustadores, mortais. Um capitão até de boa
aparência, sussurrou: “São todos muito jovens, choram por qualquer coisa”. Não
sabia se ele era contra a tortura ou se depreciava a reação dos torturados.
O general Fiuza levou quase duas horas para chegar, não cumprimentou
ninguém, sentou numa cadeira distante. Vestia calça cinza e paletó de xadrez,
nenhum jogo de palavras. Inesperadamente olhou para mim, falou: “Gosto muito
quando o senhor escreve sobre futebol, por que tem que se meter na nossa
vida?”.
Os que estavam no poder, eram divididos em sensatos e insensatos
Falavam muito em “linha dura”, mas isso era forma de simplificar. “Linha
dura” era composta por aqueles que logo queriam torturar e matar. Os outros,
eram os que acreditavam em diálogo, todos, milhares, iriam sendo “passados para
a reserva, como traidores da revolução”. Que iria sendo identificada com sua
própria fisionomia de golpe.
Depois de um tempo de silêncio, o general falou para um coronel: “Onde
está o carro que vai levar o jornalista?”. Uma quase revelação, eu iria para
algum lugar, poderia ser bom ou ruim. O carro chegou, me levaram até ele, Fiuza
disse para o coronel: “Vá com ele, não quero que desapareça pelo caminho e nos
acusem e culpem”.
Parecia um destino razoável, mas fiquei ainda sem saber. No carro o
coronel (de uma grande família de militares de carreira) me disse: “Vamos para
o Hospital Central do Exército”. Mas terminou com uma declaração surpreendente:
”Ao senhor não vai acontecer nada”. Naturalmente com outros ACONTECERIA.
Fiquei lá uma semana, a única satisfação era a conversa com o médico.
Sobrinho de Manoel Bandeira, contava histórias admiráveis dele. Uma semana
depois fui libertado. Na portaria do hospital, em Bonsucesso, me entregaram
mala com roupas. Provavelmente minha família sabia, não me falaram nada. Peguei
um taxi, logo estava em casa.
Amanhã a segunda e última parte.
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