Titular: Helio Fernandes

sexta-feira, 28 de agosto de 2015


HELIO FERNANDES    
Publicada em 09.09.14

Mocissimo, meu primeiro trabalho jornalístico importante, foi cobrir a constituinte de 45 que discutiu, votou e promulgou a Constituição de 46. Eu era secretário-adjunto de "O Cruzeiro", o cargo de editor ainda não chegara ao Brasil. Foi trazido pelo notável jornalista Pompeu de Souza, que morou anos nos EUA e na Inglaterra.

Comecei praticamente toda uma geração de políticos, de varias tendências, mas inegavelmente superiores aos de agora. Naturalmente com as exceções de praxe. Fiz ótimo relacionamento, construí pontes e amizades. Um deles, o então deputado Juscelino Kubitschek. Em 1950 foi eleito governador de Minas,em 1954, candidato a presidente.

Um dia me telefonou Horácio de Carvalho, diretor-proprietário do Diário Carioca,jornal que eu dirigiria mais tarde. Queria me convidar para almoçar no seu apartamento da Avenida Atlântica, a pedido do governador Juscelino Kubitschek.

O então governador já candidato a presidente pelo PSD, o maior partido brasileiro, que não chegou a completar a maioridade, assassinado pela ditadura em 1964. Juscelino queria me convidar para dirigir a comunicação da sua campanha presidencial.

Mas antes me avisou e preveniu: "Hélio, não temos dinheiro para nada, se você aceitar, será o único no comitê, junto com o presidente, embaixador Negrão de Lima". Respondi imediatamente: "Governador, correr e percorrer o Brasil todo, durante um ano, é proposta irrecusável". JK ficou satisfeitíssimo, eu também.

Logo depois da morte de Vargas (suicídio politicamente genial como chamei sempre, desde o dia seguinte da tragédia) JK pediu audiência ao vice que assumira, Café Filho: " Presidente vim lhe comunicar que serei candidato a presidente". Café Filho agradeceu e respondeu: "Não terei candidato, ficarei neutro". Mas logo lançava o nome do general Juarez Távora, Chefe da Casa Militar.

A campanha foi excelente, conhecemos "grotões e igarapés", como Tancredo Neves definiria depois. JK ganhou muito bem, apesar da máquina governamental ser jogada totalmente no propósito de eleger o general. Antes de posse vieram os dois golpes de 11 de novembro de 1955. Um para não dar posse ao vencedor, e o outro para refender a vontade do eleitor.

Reconhecida sua vitória e com a posse garantida, JK resolveu viajar como "presidente eleito e ainda não empossado". Marcou a viagem para 2 de Dezembro, me falou "Hélio, vou viajar, apenas eu e mais três pessoas. (Dois do Itamarati). Quero convidar você para ir".

Aceitei, claro,mas disse a Juscelino: "Presidente, é lógico que aceito, mas sou jornalista, e o senhor é a grande noticia. Por isso quero ficar sempre ao seu lado". O presidente riu e garantiu: "Você saberá de tudo o que acontecer no Brasil enquanto viajamos, aqui você verá e saberá de tudo, na hora".        
Viagem maravilhosa, não há dinheiro que pague. Fomos recebidos por reis, rainhas, presidentes e primeiros ministros. Começamos pelo presidente Eisenhower, que se recuperava de um enfarte na bela Ilha de Key West.

JK-Salazar 

Não vou contar a viagem maravilhosa, apenas o que está atualíssimo, 59 anos depois. Fomos recebidos então pelo ditador, no belo palácio presidencial. Muita gente, mas num relâmpago, os dois ficaram sozinhos e eu ao seu lado.

Salazar então disse a JK: ”Presidente, se o senhor quiser governar todo mandato, não faça reforma cambial, nem se descuide do Banco Central”. Foi surpreendente. Mas logo as pessoas se aproximaram, a conversa que poderia render muito mais, acabou.

Ficamos algum tempo circulando, fomos embora. No carro JK me perguntou: “Helio, o que o presidente Salazar estava querendo dizer?”.

Resposta do repórter: “Presidente, Salazar é um ditador, Ministro das Finanças nomeado pelo presidente, general Carmona, que ele derrubaria. Mas antes disso, era um respeitado professor de Finanças da Universidade de Coimbra”.

JK ficou visivelmente preocupado, e não apenas durante a viagem. 
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