HELIO FERNANDES
Publicada em 09.09.14
Mocissimo, meu
primeiro trabalho jornalístico importante, foi cobrir a constituinte de 45 que
discutiu, votou e promulgou a Constituição de 46. Eu era secretário-adjunto de
"O Cruzeiro", o cargo de editor ainda não chegara ao Brasil. Foi
trazido pelo notável jornalista Pompeu de Souza, que morou anos nos EUA e na
Inglaterra.
Comecei
praticamente toda uma geração de políticos, de varias tendências, mas inegavelmente
superiores aos de agora. Naturalmente com as exceções de praxe. Fiz ótimo
relacionamento, construí pontes e amizades. Um deles, o então deputado
Juscelino Kubitschek. Em 1950 foi eleito governador de Minas,em 1954, candidato
a presidente.
Um dia me telefonou
Horácio de Carvalho, diretor-proprietário do Diário Carioca,jornal que eu
dirigiria mais tarde. Queria me convidar para almoçar no seu apartamento da
Avenida Atlântica, a pedido do governador Juscelino Kubitschek.
O então
governador já candidato a presidente pelo PSD, o maior partido brasileiro, que
não chegou a completar a maioridade, assassinado pela ditadura em 1964.
Juscelino queria me convidar para dirigir a comunicação da sua campanha
presidencial.
Mas antes me
avisou e preveniu: "Hélio, não temos dinheiro para nada, se você aceitar,
será o único no comitê, junto com o presidente, embaixador Negrão de
Lima". Respondi imediatamente: "Governador, correr e percorrer o
Brasil todo, durante um ano, é proposta irrecusável". JK ficou
satisfeitíssimo, eu também.
Logo depois da
morte de Vargas (suicídio politicamente genial como chamei sempre, desde o dia
seguinte da tragédia) JK pediu audiência ao vice que assumira, Café Filho:
" Presidente vim lhe comunicar que serei candidato a presidente".
Café Filho agradeceu e respondeu: "Não terei candidato, ficarei
neutro". Mas logo lançava o nome do general Juarez Távora, Chefe da Casa
Militar.
A campanha foi
excelente, conhecemos "grotões e igarapés", como Tancredo Neves
definiria depois. JK ganhou muito bem, apesar da máquina governamental ser
jogada totalmente no propósito de eleger o general. Antes de posse vieram os
dois golpes de 11 de novembro de 1955. Um para não dar posse ao vencedor, e o
outro para refender a vontade do eleitor.
Reconhecida sua
vitória e com a posse garantida, JK resolveu viajar como "presidente
eleito e ainda não empossado". Marcou a viagem para 2 de Dezembro, me
falou "Hélio, vou viajar, apenas eu e mais três pessoas. (Dois do
Itamarati). Quero convidar você para ir".
Aceitei, claro,mas
disse a Juscelino: "Presidente, é lógico que aceito, mas sou jornalista, e
o senhor é a grande noticia. Por isso quero ficar sempre ao seu lado". O
presidente riu e garantiu: "Você saberá de tudo o que acontecer no Brasil
enquanto viajamos, aqui você verá e saberá de tudo, na hora".
Viagem maravilhosa, não há dinheiro que pague. Fomos recebidos por reis, rainhas, presidentes e primeiros ministros. Começamos pelo presidente Eisenhower, que se recuperava de um enfarte na bela Ilha de Key West.
Viagem maravilhosa, não há dinheiro que pague. Fomos recebidos por reis, rainhas, presidentes e primeiros ministros. Começamos pelo presidente Eisenhower, que se recuperava de um enfarte na bela Ilha de Key West.
JK-Salazar
Não vou contar a
viagem maravilhosa, apenas o que está atualíssimo, 59 anos depois. Fomos
recebidos então pelo ditador, no belo palácio presidencial. Muita gente, mas
num relâmpago, os dois ficaram sozinhos e eu ao seu lado.
Salazar então disse
a JK: ”Presidente, se o senhor quiser governar todo mandato, não faça reforma
cambial, nem se descuide do Banco Central”. Foi surpreendente. Mas logo as
pessoas se aproximaram, a conversa que poderia render muito mais, acabou.
Ficamos algum
tempo circulando, fomos embora. No carro JK me perguntou: “Helio, o que o
presidente Salazar estava querendo dizer?”.
Resposta do
repórter: “Presidente, Salazar é um ditador, Ministro das Finanças nomeado pelo
presidente, general Carmona, que ele derrubaria. Mas antes disso, era um
respeitado professor de Finanças da Universidade de Coimbra”.
JK ficou
visivelmente preocupado, e não apenas durante a viagem.
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