125 ANOS DE REPUBLICA, GOLPES E MAIS
GOLPES. QUASE TUDO “LUTA ARMADA” DE GENERAIS. EM 1945/46 CONHECI OS 13
DEPUTADOS COMUNISTAS, QUE 20 ANOS DEPOIS SERIAM OS BRAVOS GUERRILHEIROS DO
ARAGUAIA.
HELIO FERNANDES
21.02.15
A Republica
nasceu militar, militarista e militarizada. Dois marechais, (Floriano e
Deodoro) na madrugada de 15 de novembro de 1889, derrotaram a brilhantíssima geração
dos “Abolicionistas” e dos “Propagandistas da Republica”. E implantaram um
regime com o qual sonhávamos, e que o grande Saldanha Marinho fulminou numa
frase que muita gente não conhece mas é inesquecível: “Esta realmente não é a
Republica dos nossos sonhos”.
Em 1860,
Saldanha fundou o jornal diário “A republica” e durante 29 anos, lutou diariamente
pela Republica. Quando se esperava que tudo mudasse com a “promulgação” da
Republica, as coisas pioraram terrivelmente com a “implantação” de um governo
fantasiado de Republica, dominado pelos dois marechais envelhecidos, política e
militarmente envelhicidos.
Vieram
brigados da estranha Guerra do Paraguai, eram coronéis, chegaram a marechais. Se
reconciliaram por interesses pessoais. Ao contrario da França e dos EUA, que na
mesma época (1789 e 1788) mobilizaram o povo em nome da Republica e da
independência. Tudo pelo voto direto, apesar das dificuldades.
Aqui tudo nos
bastidores, sem voto, sem povo, sem urnas. E se confrontando, Deodoro e Floriano
dominaram o país até 1894, quando foram expulsos do poder. No 15 de novembro,
oficiais de cavalaria mal podiam subir num cavalo. Mas logo depois, Floriano, “eleito”
vice em fevereiro de 1891, derrubava Deodoro, conseguia se manter como “presidente”
até 1894, quando veio o primeiro civil eleito, Prudente de Moraes.
Esses 41
anos, mais tarde chamados admiravelmente de “Republica velha”, mergulharam o país num
lamaçal político e financeiro, com os militares dominando tudo.
Em 1910, Rui Barbosa
tentou iluminar o cenário, se lançou candidato a presidente. Só havia um
partido, por ironia ou gozação chamado de Republicano. Foi escalado um general
para derrota-lo. Rui fez campanha maravilhosa, sem qualquer recurso financeiro
ou técnico.
Sem comunicação,
sem gravação, até sem microfone, Rui fez discursos extraordinários, que apesar
de tudo, chegaram aos nossos tempos. Chamou sua luta de ”campanha Civilista”,
explicou: “Temos que combater a influencia da Igreja, do exercito, do partido
único”. Foi derrotado pelo Marechal Hermes da Fonseca, sobrinho de Deodoro e Ministro
da Guerra do presidente Nilo Peçanha, que usou todo poder da máquina e do
exercito, para derrota-lo.
O primeiro massacre da História do Exercito.
Na Republica,
usaram o poder de bastidores, não houve luta armada, o Exercito dominava tudo.
Mas em 1896, sem o menor constrangimento, o exercito assaltou canudos, dizimou o
pacifico Antonio Conselheiro e toda a população.
Não escapou
ninguém, perdão, um soldado fugiu para o Rio, como não tinha onde morar, e viu
aqueles morros enormes e vazios, montou um barraco, deu o nome de “Favela”.
Começou a
posse e o domínio de todas as partes altas do Rio, então Distrito Federal.
O nome “favela”
veio de um morro onde o Exercito montou seus canhões para melhor destruir a
cidade e assassinar seus habitantes. Três quartas partes do total do Exercito
estava em Canudos. Quem dominava tudo era o Coronel Moreira Cesar, apelidado
até pelos subordinados e superiores de “coronel corta-cabeça”.
(Não sei se
esses terroristas-assassinos do Estado Islâmico, que cortam as cabeças dos reféns
que não pagam a indenização-extorsão. Conhecem a História de Canudos, não devem
conhecer. Mas usam os mesmos métodos selvagens cruéis destruidores, embora
tenham se passado, 118 anos).
O “Estado novo” de 1937.
Em 1930,
depois de derrotados “eleitoralmente” Veio o golpe que derrubou os que estavam
no poder. Com o assassinato de João Pessoa, governador da Paraíba e sobrinho do
ex-presidente Epitácio, ganharam ânimo, depuseram e axilaram Washington Luiz e
seu ministro o Exterior Otavio Mangabeira.
Getúlio foi
empossado como Chefe do Governo Provisório, uma palavra da qual abusaram durante
15 anos. Chamaram de “Revolução”, mas a partir de 10 de novembro de 1937, se
transformou numa ditadura cruel e sanguinária, como todas.
Não existe
ditadura civil ou ditadura militar. Dependendo das circunstancia, um civil ou
um general fica com o poder. Mas não pode existir um general sem apoio dos militares
ou vice-versa. Em 1937 Vargas tomou o poder, apoiado pelo Exercito, representado
pelo Marechal Dutra, Ministro da Guerra e conhecido como o “condestável do
Estado Novo”. Derrubado Vargas em 1945, Dutra ficou no seu lugar por 5 anos, até
á volta trágica de Vargas em 1950.
Vargas chamou
a ditadura de “Estado Novo”, mas o genial barão de Itararé, definiu no seu
semanário humorístico, “A Manha”, de “estado a que chegamos”.
Isso tudo não
passava de preparação para outro golpe, mais terrível do que todos, não apenas
armado, mas na verdade com os golpistas “plantados” “nos quartéis”. Era o 1º de
abril de 1964, com a tomada do poder e pela primeira vez a tortura
oficializada, sagrada e sacramentada.
Antes mesmo
de resolvida a disputa entre os generais para decidir quem seria o primeiro presidente
entre aspas, já se torturava barbaramente. E á medida que o tempo passava, os
métodos iam se aprimorando, já não bastava assassinar, era necessário
assassinar com requinte, convicção e intimidação.
Tenho que sumarizar,
ficar apenas na pergunta do leitor Samuel de Faria Jr. Sobre “luta armada”. Foi terrível,
Samuel. Não se pense ou admita que o Exercito estava unido e indivisível, no
domínio do país e propagação da violência. Durante os primeiro 12 anos, que
transcorreram entre 1966 e 1978, milhares de oficiais foram expulsos do
Exercito, pelo crime de “traição, deslealdade, incompreensão”. Quer dizer: não
concordavam com o golpe, a ditadura, as torturas e a barbaridade do tratamento
aos presos.
1945/46 fui cobrir a Constituinte.
Começou aí meu conhecimento com os 13 deputados comunistas. 20 anos depois os
bravos guerrilheiros do Araguaia.
Mocissimo,
Secretario-Adjunto da revista “O Cruzeiro”, fui cobrir a Constituinte,
convocada logo depois da derrubada do “Estado Novo”. Eclético, apaixonado por
muita coisa, fui um dos 17 jornalistas que contaram o que acontecia. (16
importantes e já mortos) Conheci até com muito prazer os 13 deputados
comunistas e o senador Luiz Carlos Prestes. (Este com menos diálogo).
Um dia estou
no jornal, toca o telefone, a pessoa não quis se identificar, disse apenas: “estou
na esquina da Avenida Rio Branco com a Sete de setembro. Daí da Lavradio até
aqui é rápido, espero meia hora”. O tom era de autoridade, intensidade,
credibilidade, nem pensei em recusar. Cheguei lá, uma multidão esperando o
sinal abrir para atravessar, reconheci logo um antigo líder comunista. O sinal
abriu, se juntou aos pedestres, eu seguindo.
Sem quase
olhar para mim, foi falando: “O Lamarca preciso falar com você, urgente. Ele mora no
Cachamby, você nasceu no Meyer, conhece tudo ali. Vou te dar o endereço, decora
e me devolve. É uma casa velha, não toque a campainha, ele saberá que você
chegou a 1 hora da tarde”.
Me deu o
papel, eu conheci a rua, o Cachamby é uma espécie de subúrbio do Meyer, falou: “Não
vá de carro, deixe no Jardim do Meyer, entre pela Rua do Corpo de Bombeiros, em
10 minutos você estará com o Lamarca”.
Chegamos ao
outro lado, na calçada me pediu o papel, viu para que lado eu ia, foi para o outro.
Olhei, ele estava picando o papel e jogando numa lixeira. Aula de
clandestinidade.
No dia
seguinte outra aula, mas de conhecimento e de convicção sobre o que estava
fazendo. Tudo ocorreu como o intermediário falou. Mandou que eu sentasse, falou
em tom de quem sabe que não pode ser convencido ou persuadido a mudar de ideia.
Começou: “Helio,
a gente não se vê há mais de 10 anos, acompanhei de longe a tua carreira, é exatamente
o que esperávamos. E você desenvolveu a competência de analista, por isso quero
conversar com você”.
Continuou: “Estamos
preparando uma luta de guerrilha, nos moldes do que fez o Prestes. Não
aguentamos mais, os companheiros estão desaparecendo, presos, torturados,
assassinados. Não queremos morrer assim, preferimos morrer lutando”. Parou,
ficou me olhando como se dissesse, “é a tua vez”.
Perguntei. “quantos
vocês são?”. Resposta, “mais ou menos 60”. Comentei: “Eles são 60 mil, o
Exercito vai se jogar inteiro no combate. E a comparação com a Coluna Prestes,
lembre, já se passaram 40 anos, multiplique por muito as dificuldades que
tiveram”.
Silêncio, lembrei
para ele, que esperava, o que o “exercito fizera em Canudos”. Não queria convencê-lo,
sabia que já tomara a decisão, nada podia assusta-lo. Examinamos mais os
riscos, não era um desesperado pelo combate, mas não admitia rendição de modo
algum.
Conversamos
mais um pouco, falou: “sabia que você iria analisar, nos dois anos em que
estivemos juntos, conheci bem você. Foi ótimo te ver, saia pelos fundos, entrou
pela frente, não pode repetir”. Abraço realmente fraterno, não disse aquelas
tolices, “isto fica entre nós não fale com ninguém”.
Andei olhando
sem me virar, em 10 minutos estava no carro, em menos de dois meses chegavam
notícias das barbaridades que fizeram com esses combatentes da autenticidade da
luta, que só eram chamados de “guerrilheiros armados”.
Foram
dizimados. O SNI localizou Araguaia com um serviço de “inteligência” jamais
visto. O Exercito se preparou para enfrentar um movimento sem igual, eram
apenas 60 homens. A mobilização aérea, principalmente com helicópteros, total.
Usaram também
a traição em alta escala. Morreram todos de forma bárbara, cruel. Selvagem.
Alguns chegaram a levar 42 tiros, muitos pelas costas, segundo o exame
pericial. Outros foram assassinados cara a cara, desarmados antes de serem
inacreditavelmente despedaçados.
Este relato, é
lancinante, degradante, emocionante, não gostaria de lembrar. Mas é história
pura, não apenas memória.
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Nossos leitores podem fazer comentários e se comunicar com os
colunistas, através do e-mail: blogheliofernandes@gmail.com
As respostas serão publicadas aqui no rodapé das matérias. (NR).
Resposta aos amigos e leitores, José Roberto Vilas e Silva – Rio de Janeiro – RJ, Ralph
Linchotti – Niterói- RJ, Barbara
Martins – Fortaleza – CE, Felix
Kronig – Rio de Janeiro – RJ, Maria Luzia Helena Queiroz – Belo Horizonte – MG,
as postagens nas redes sociais, e muitos outros que se manifestaram solidários
com a decisão.
Enfim todos que
enviaram e-mails parabenizando a decisão do TST, em desbloquear a minha aposentadoria
da União. Obrigado a todos que se manifestaram.
Estamos juntos na defesa da
sociedade seja no jornalismo, seja através de dedicados profissionais da advocacia,
que acreditam no direito do seu cliente. (HF).
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