Depois de 30 anos de morte natural, "assassinaram"
Tancredo Neves.
HELIO
FERNANDES
O blogueiro
Wellington Ferraz descobriu ou inventou uma conspiração sobre a morte do quase
presidente. Não sei a razão de ter escrito para o repórter se estava tão certo
do que escrevera. É bem verdade que ninguém pode estar certo de alguma coisa,
baseado em suposições de Maluf ou alegações do general Newton Cruz. Não ia
responder, demorei, acabei por resolver destruir essa algaravia verbal e
mental, para que outros aventureiros da palavra também surgissem com novas
invenções macabras.
Nunca
ouvi falar no assunto. Versões mais ou menos razoáveis sobre o assunto surgiram
com as mortes de Carlos Lacerda, João Goulart e Juscelino Kubtschek. Ficou mais
do que provado que foram mortes naturais. Mas persistiam dois elementos que
alimentavam a conspiração. 1- Os três eram os únicos capazes de atingir a presidência
se a ditadura terminasse mais cedo. Nesse caso os generais torturadores
determinariam a eliminação dos três adversários. Não foi necessário.
Vou
mostrar apenas a morte de Carlos Lacerda, que acompanhei muito de perto. As
mortes de JK e Jango ocorreram longe, puramente acidentais, sem o menor vestígio
de assassinato. Mas alguns malabaristas da palavra se aproveitaram do espaço disponível,
tentaram transformar a morte natural numa conspiração.
A morte
de Lacerda durou apenas 6 ou 7 horas. Cassado no dia 3 de dezembro de l968, no
dia 2 janeiro de 1969 viajou para a Europa. Teve a gentileza de ir se despedir
do repórter, de Mario Lago e Osvaldo Peralva que continuávamos presos. Foi
direto para Milão, ficou lá 1 ano, voltou depois de 3 anos, se afastou de tudo
e de todos, se encastelou na Nova Fronteira, sua fortaleza de conforto e satisfação
intelectual. Nesses 3 anos não nos falamos uma vez sequer, nem mesmo pelo
telefone.
A morte de Lacerda.
Num dia
de Maio, por volta de 1 da tarde, o ex-governador sentiu uma dor no coração,
telefonou, para Letícia, sua mulher, que o apanhou e levou-o para a Casa de Saúde
Santa Lucia, a Editora e o hospital em Botafogo. Enquanto os médicos examinavam
minuciosamente Lacerda, chegaram seus filhos. Às 7 da noite os médicos deram à
boa noticia: "Podem se despedir do governador, ele ficará em Observação, é
obrigatório. Quando chegaram em casa, o recado do hospital: voltem
imediatamente, o governador está morto.
Tinha 63
anos, era 1977, jamais consultara um medico, não havia jeito de armar uma
conspiração para assassiná-lo. Tão rápido que não consegui me despedir dele.
Quem
queria assassinar Tancredo?
Não tinha
inimigos nem mesmo entre os generais torturadores. Quando alguns deles
organizaram o "golpe de 1961", para que Janio ficasse com plenos
poderes o tempo que bem entendesse, não tiveram sucesso. Precisaram fazer
acordo com Jango. Propuseram então o Parlamentarismo. Mas não era apenas a única
palavra, faltava o complemento: “Parlamentarismo com Tancredo Neves”. Jango
aceitou logo, comunicou a Brizola, que esbravejou:" Não aceita, eles não
podem fazer nada".Jango mais conciliador, respondeu:"È melhor ficar
no Poder, o Tancredo é nosso amigo, foi leal ao doutor Getulio até o fim".
Mas o
inimigo de Jango era o próprio Jango. Tancredo era um excelente conselheiro,
mas Jango tinha seus próprios objetivos: acabar com o Parlamentarismo. Tancredo
desistiu foi embora, Jango usou todo o ano de l962 para criar uma data que
Tancredo (e o Brasil inteiro) sabia seria explosivo: um referendo popular para
decidir entre Parlamentarismo e Presidencialismo. Repetindo Rui Barbosa,
"até as pedras da rua sabiam que ganharia o Presidencialismo". O
povão nem sabia o que era Parlamentarismo. Marcado para o dia 6 de janeiro, o
Parlamentarismo comparando com a seleção brasileira, perdeu de 7 a 1. Jango
tomou posse no mesmo dia, começava o golpe de 64. Não demorou 1 ano.
Uma das
primeiras provocações foi à prisão deste repórter. O Ministro da Guerra (ainda
não era de Exercito) mandou uma carta "sigilosa e confidencial" para
12 generais, afirmou, "nesses eu confio". Alem de ditatorial, péssimo
analista. No mesmo dia, um dos generais mais importantes, Cordeiro de Farias,
me deu a carta. Não passou pela minha cabeça a idéia de não publicar o documento.
Jango exigiu do Ministro a minha prisão, o que aconteceu no mesmo dia.
Fui o primeiro jornalista a ser julgado pelo
Supremo.
Meus advogados,
Sobral Pinto, Adauto Cardoso, Evaristo de Moraes Filho, Prado Kelly, Prudente
de Moraes, George Tavares, receberam a visita do general Cordeiro, que disse a
eles: “quem deu a carta ao Helio fui eu, assumo toda a responsabilidade".
Esses advogados me defenderam outras vezes. Em 1967, George Tavares foi a
Fernando de Noronha me visitar, autorizado pelo Congresso.
Eu estava
incomunicável, o bravo presidente do Supremo, Ribeiro da Costa, mandou acabar está
arbitrariedade. Pude conversar pela primeira vez com os advogados. “Contaram-me
a visita do general Cordeiro, respondi simplesmente:” Não conheço esse general,
o caso está tendo grande repercussão, deve estar querendo aparecer.
Insistiram,
continuei negando, não podia entregar minha fonte. No dia seguinte o general
deu entrevista coletiva confessando que o meu informante era ele.
A
repercussão foi enorme. Muitos esperavam que o Ministro pedisse demissão ou
fosse demitido, nada aconteceu. Fui absolvido por 5 a 4, libertado, centenas de
visitas.
Mas a
primeira foi de Tancredo Neves. A segunda de Carlos Lacerda, que quando fui seqüestrado
para Fernando de Noronha, escrevia quase que diariamente na Tribuna da
Imprensa, criticando duramente a ditadura. Nunca vi Carlos Lacerda tão
revoltado, indignado, acusando os golpistas que tinham medo de enfrentar um
jornalista, que combatia brava e ostensivamente.
A volta de Tancredo Neves.
Depois
que deixou de ser Primeiro Ministro, desapareceu. Em 1960 candidato a
governador de Minas, era franco favorito, inesperadamente foi derrotado por Magalhães
Pinto. Contou-me: "Helio, eu tinha 80 por cento do PSD que era altamente majoritário".
Perguntei o que acontecera, confessou: "José Maria Alckmin. Era do meu
partido, resolveu apoiar o candidato da UDN, Magalhães Pinto".
Tancredo logo
depois da "experiência" nada agradável com Jango, ficou sem
oportunidade. Não podia aceitar nada da ditadura, a oposição completamente
desorganizada. Foram 15 anos de isolacionismo, solidão, quase ou praticamente
ostracismo. Até que fundou o PP, Partido Popular, se elegeu governador. Voltou
com força, a ditadura oficial acabara, o que existia era o grupo comandado pelo
Chefe do SNI, que queria mais ditadura.Tancredo me convidou para ser candidato
a senador , Brizola já me convidara para disputar pelo PDT. Aceitei o convite
de Tancredo, mas as coisas se complicaram para o regime.
Surgem às
diretas já, estamos nas vésperas da eleição indireta de 1985, mas as diretas de 1984 apresentam grande força. Só que são
"desapoiados" pelos maiores jornais e televisões, que preferem
"governadores” entre aspas. Nos bastidores,
Tancredo
e Ulisses, grandes amigos mas adversários, fecham um acordo de cavalheiros. Se
as diretas passarem o candidato será Ulisses. Se for indireta, Tancredo
disputará. “A direta perde por 24 votos, analistas escrevem: ”A derrota das
diretas, sorte para as instituições, os generais não permitiriam que o povo
amaldiçoasse o golpe, e pelo voto".
Quem queria assassinar Tancredo?
Ninguém.
Morte natural não existe no dicionário de Tancredo. Aproxima-se o 15 de março
de 1985, data da eleição. A eleição fica apenas entre Maluf e Tancredo. O
ex-prefeito de São Paulo nem é recebido pelo general Figueiredo. Realizada a
eleição, vitoria estrondosa de Tancredo, Maluf teve apenas os votos
"comprados” ou "coordenados" e mais os 3 do PT, que votaram em
Tancredo e foram expulsos.
Este repórter
dá um jantar para Tancredo, 200 pessoas, quem era quem estava lá.
Caiu um
temporal por volta das duas da manhã, a euforia e alegria de Tancredo, tão
grande, gostaria de gozar o temporal. Começou a organizar o ministério, o
primeiro indicado e não implantado. Fui a Brasília na véspera não podia deixar
de ir á posse de Tancredo. Fui ao Senado, encontrei José Sarney, fomos tomar café,
perguntei, "preparado?". Respondeu, "vice é apenas vice." Falei,
"não é o que conta a historia do Brasil". No dia seguinte, estive com
Tancredo na porta da Igreja, muita alegria e saúde. Voltei para o hotel, iria
jantar com Paulo Branco, Editor da Tribuna e assessor de Dornelles, que seria
ministro da Fazenda de Tancredo.
Lição para quem quer adivinhar o que acontecerá em
2018.
Faltam
praticamente 3 anos, fazem as maiores suposições, indagações, interlocuções.
Pois em 1985, em menos de 1 hora, tudo mudou. Em vez de um restaurante, estávamos
no gabinete de Dornelles com umas dez pessoas. Alguns falavam que o Doutor
Ulisses devia assumir. Só este repórter e o general Leônidas Pires Gonçalves, que
seria Ministro da Guerra, sabíamos que Sarney tinha que assumir. O general, surprendendo
a todos, tirou uma Constituição, mostrou que o empossado teria que ser Sarney.
O que aconteceu.
No blog
que me exigiram que explicasse, não ha uma linha correta. Em determinado
momento, diz que Tancredo foi levado para o hospital já morto. Insinua que na
Igreja se ouviu um tiro, que teria matado Tancredo. Depois fala nos 40 dias de
sofrimento.
Na noite
seguinte, jantar de gala da posse, agora presidido por Sarney. Quando me
viu, deixou a presidência, perguntou, "ontem você sabia, e não me disse
nada”. Eu não sabia, mas não quis quebrar o silencio. Podem perguntar a Sarney,
que naquele momento, não tinha a menor idéia de que seria presidente por 5
anos.
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