Titular: Helio Fernandes

sábado, 3 de janeiro de 2015

PUBLICADA EM JANEIRO/14
HELIO FERNANDES
03.12.14

A Folha, como é seu hábito, colocou um tema, parlamentarismo ou presidencialismo, convidou duas excelentes personalidades para dizerem SIM ou NÃO a um dos regimes. Os escolhidos, Ives Gandra da Silva Martins e Claudio Gonçalves Couto, cheios de conhecimento, categoria e credenciais, merecem todos os louvores pela indicação, mas não pelas respostas.

Só que a culpa não foi deles. A pergunta implicava na obrigação de responder SIM às eleições INDIRETAS no Parlamentarismo, e NÃO, também obrigatoriamente às eleições DIRETAS no Presidencialismo. Com isso, apesar da competência do jurista e do cientista político, (os dois além do mais professores) o que surgiu foi uma complexa e extravagante irrealidade.

Agravada por outra obrigação: a de opinar sobre o mérito dos regimes. O parlamentarismo é melhor ou pior do que o presidencialismo? E na pergunta estava implícito e quase explícito, que presidencialismo rima com diretas e parlamentarismo com indiretas.

Ora, as Constituições mudam, e com elas os regimes. O parlamentarismo na Europa, teve sempre o Primeiro ministro eleito pelo voto direto. E o Presidente, uma notável figura, geralmente com mais de 80 anos. Escolhido por unanimidade, mas indiretamente.

Presidencialismo puro, só nos Estados Unidos

E 1960, a constituição da França mudou com De Gaulle, o presidente (ele) passou a ser eleito diretamente. E a nomear e demitir o Primeiro Ministro. É que a França teve muitas Constituições, reconheçamos, quase tantas quanto o Brasil.

Os EUA só tiveram uma, é também o único país do mundo ocidental que conquistou a independência, (derrotando a poderosa Inglaterra) e simultaneamente implantando a República e o presidencialismo. Com uma única Constituição, desde 1788. (Em 1936, praticamente em plena guerra, Hindenburg era presidente eleito da Alemanha, Hitler Primeiro Ministro. O marechal morreu logo, Hitler acumulou os cargos, alguns juristas protestaram, “desapareceram”.

A eleição nos EUA é diretíssima, bem ao contrário das indiretas

O sistema parece complicado, por causa disso é analisado e consagrado como indireto. O que acontece, é que nas vésperas da constituinte, os americanos tiveram a sabedoria de realizar a convenção da Filadélfia, que durou cinco meses.

Ali “jogaram fora” os assuntos sem importância, selecionaram para a Constituinte, alguns sobre os quais não havia entendimento, as divergências eram inconciliáveis.

Estadualismo ou Federalismo?”

Esse era o ponto de maior controvérsia. As 13 províncias, que só foram transformadas em estados, na constituinte, queriam uma constituição “estadualista”. Os “pais fundadores” (como os oito se intitulavam) estavam determinados a aprovar uma constituição “Federalista”. Os primeiros presidentes foram eleitos pelo partido Federalista, criado junto com o Republicano. O Democrata foi criado em 1829, 40 anos depois da posse de Washington.

A Constituição ÚNICA dos EUA

Os EUA mudaram muito, nenhuma surpresa ou contestação. Em 1776, as 13 províncias que não tinham nem nome, se rebelaram. Desafiaram a poderosa Grã-Bretanha, “dona” de quase o mundo todo.

Essas províncias, desarmadas, ou melhor, armadas apenas com o Manifesto de 17 laudas, redigido por Thomas Jefferson. E que mais tarde, intelectuais proclamaram: “Esse texto é o que melhor já se escreveu em língua inglesa, excetuado naturalmente Shakespeare”.

Juntaram 32 mil homens, comandados pelo civil Washington, logo chamado de “general” Washington. E que seria o primeiro presidente, eleito junto com a promulgação da Constituição, em 1788.

A Convenção da Filadélfia

Em 1782 os ingleses se renderam, apenas uma exigência: voltariam livremente para a Inglaterra, reconheceriam a Liberdade e a Independência dos americanos, num tratado assinado em Versalhes. (Depois da Revolução Francesa, tudo acontecia em Versalhes).

Os “pais fundadores”, como eles mesmos se identificaram, convocaram imediatamente o que chamaram de “pré-constituinte”. Levaram cinco meses discutindo: o que deveriam aprovar por unanimidade e portanto não levariam para a constituinte. E o que não obtinha acordo seria objeto de discussão na Constituinte.

Foram debates acalorados

Começaram pela duração dos mandatos presidenciais: Washington, Jefferson, Adams, Madison, Monroe e outros, queriam apenas dois anos. Concederam três, depois quatro sem reeleição. Mas a maioria era tremenda, tiveram que concordar com “mandato ininterrupto”. Todos governaram por oito anos, não quiseram mais.

A partir da emenda constitucional número 24 de 1952, impuseram o que existe até hoje: mandato de quatro anos, uma reeleição por mais quatro, e aí fim da carreira pública. O presidente deixa o cargo não pode ser mais nada, nem eleito nem nomeado. Ficam fazendo conferencias, “deduzíveis”, ganhando fortunas.

Como se vê, os “pais fundadores” estavam certos, 64 anos depois reconheceram que eles estavam no campo democrático. O mandato presidencial ininterrupto, como existe ainda na França (reduziram de sete para cinco anos) é uma pré-ditadura autorizada e constitucionalizada.

Os 4 mandatos de Roosevelt forçaram a mudança

Federalistas e Republicanos, depois Republicanos e Democratas, nunca mantiveram relacionamento muito amigável. Mas quando Roosevelt se elegeu em 1932, 1936, 1940 e 1944 e ainda estava com 61 anos, decidiram fazer a modificação. O primeiro a se submeter a essa emenda constitucional foi Eisenhower. Eleito em 1952, reeleito em 1956, teve que ir para casa em 1960. E seu candidato favorito, Nixon, perdeu para Kennedy.

Erraram nos golpes e nas guerras externas

A República dos Estados Unidos nasceu isolacionista e preocupadíssima com golpes de estado, como acontecia no mundo. Por isso, só mandaram tropas para fora do país, em 1898, para defender Cuba do ataque da Espanha. E por ironia, ou qualquer outro motivo, construíram em Havana a Fortaleza de Guantánamo, hoje templo da tortura. Ganharam a guerra, dominaram Cuba, entraram nas Filipinas. Mas continuaram isolacionistas, praticamente até a Segunda Guerra Mundial.

Não houve golpes, trocados por assassinatos

O país foi crescendo tomando terras dos vizinhos, principalmente do enorme México. Até chegar aos 50 estados de hoje. Nenhum golpe, mas diversos assassinatos, até mesmo de alguns dos mais destacados personagens. Até Lincoln, um dos seus maiores estadistas, foi morto por causa da sua visão e convicção antiescravagista e a burrice dos Estados do Sul.


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