Titular: Helio Fernandes

sexta-feira, 14 de dezembro de 2018


50 ANOS DEPOIS A CONSTATAÇÃO: O AI-5 FOI MAIS TERRÍVEL,TRÁGICO,TRAUMÁTICO,COVARDE, CRUEL,
DO QUE A PROXIMIDADE DEIXAVA ENTREVER

HELIO FERNANDES

Tudo começou com violência esparsa e a farsa premeditada para iludir a
coletividade: "Estamos com Deus, salvando a Pátria e a família". Mas
cumpriram um roteiro de tortura e TERRORISMO tão grande, que menos de
1 mês depois da posse de Castelo Branco, o notável Sobral Pinto mandou
a ele, uma de suas notáveis cartas. Todos temiam essas cartas.

Textual, entregue a Castelo no dia 29 de abril: "O senhor tem que
deixar o palácio, o senhor não é  presidente da Republica. É Chefe do
Estado Maior das Forças Armadas, deve reassumir seu cargo". Com todo o
aparato militar, Castelo tremeu e se assustou com a carta de um
advogado desarmado. Que se recusou até mesmo atender telefonema, do
"presidente" de plantão.

O tempo do Poder terrorista foi transcorrendo, os que resistiam, cercados
e cerceados pela censura ainda não ostensiva. Os que
ADERIAM tinham abertas as portas da fortuna que exibem hoje, acintosa
e audaciosamente.Mas isso não bastava, em 12 de junho de 1968, foi
oficializada a CENSURA, as redações tinham mais militares do que nos
quartéis.

A censura facilitava ou dificultava, de acordo com a orientação do
jornal ou da revista. Nos fins de tarde, jornalistas de outros órgãos,
iam para a redação da Tribuna da Imprensa. Funcionava um café
restaurante, uma festa. Eu não deixava os censores comerem ou tomar
café. Fui chamado pelo coronel chefe da censura, que me disse: "O
senhor não pode fazer isso". Respondi: "Só deixo eles fazerem a censura
sentados, para não atrasar o jornal".

Logo, logo chegou o 13 de Dezembro, com o inominável Ai-5, preparado
pelo falso jurista,  e verdadeiro ministro da Justiça, Gama e Silva. Os
generais queriam a represália no dia 12, quando a  Câmara se recusou a
cassar o mandato do deputado Marcio Moreira Alves. Costa e Silva
estava no Rio,disse ao general Jaime Portela, Chefe da Casa
Militar: "Não atenderei nenhum telefonema hoje, convoque uma reunião
ministerial ampla para amanhã cedo, 9 horas. Acrescentou: "Estou vendo
um bangue-bangue ótimo, depois do jantar vou ver  outro". Eram 4 da
tarde.

Naquela época os vespertinos rodavam ás 11 da manhã, estavam nas
bancas ao meio dia. Foi um tormento fazer e fechar o jornal, sabendo
que  a reunião do Laranjeiras duraria o dia todo.A vantagem é que
íamos para casa ás 6 da tarde, voltávamos ás 6 da manhã. Nesse dia 13,
ás 8 e meia da noite, ouvi o jornalista Alberto  Cury ler essa
famigerado AI-5, numa cadeia de radio e e televisão.

Pedi a Rosinha para me levar até á porta: "Você pode ficar algum tempo
sem me ver, prefiro ser preso no jornal". Quando eu ia saindo, tocou o
telefone, Rosinha atendeu, me disse, "é o Carlos Lacerda". Eu disse a
ele, "você seria uma das raras pessoas que eu atenderia, serei preso
logo". Pergunta do ex-governador: "E eu?". Respondi com toda a
sinceridade: "Você vai ser preso e será cassado"

Do outro lado, um berro tremendo: " Você está acostumado a adivinhar,
mas não serei preso nem cassado". A redação da Tribuna da Imprensa era
a 100 ou 150 metros da Central de Policia da rua da Relação, prédio
tétrico pelos assassinatos praticados contra presos. Fui levado pra lá,
não sabia o destino final. Meia hora depois fui levado para o quartel
general da Policia Militar, o "Caetano de Farias", não muito longe.

Uma porta estreita, um homem atrás das grades, uma folha de papel,
consegui ver o numero 1, e o nome do redator chefe do Correio da
Manhã. A seguir o numero 2, o sujeito perguntou meu nome. Quando
respondi, Helio Fernandes, ele levou um susto, perguntou: "O senhor é o
próprio?

Pela manhã chegou Carlos Lacerda, me abraçou: "Está bem você acertou,
estou preso, mas  não serei cassado". Eu já estava  cassado desde
1966, preso várias vezes, respondi: "Eles te prenderam, estavam com
saudades de você". Foram chegando pessoas que não conhecíamos.

No final da tarde, quem apareceu? A notável figura de Mario Lago. Foi
preso no Teatro Santa Isabel. Representava um escocês, estava com as
roupas características, foi logo dizendo: "Aqui só quem me conhece é o
Lacerda e o Helio. Estou com estas roupas, mas não sou viado". (A
palavra gay ainda não era usada).

PS- Chegando ao final pessoal, o país foi tremendamente atingido, a
repressão a atividades artísticas e culturais, devastadoras.
A política destruída, centenas de parlamentares e advogados, presos e
torturados.

PS2- Carlos Lacerda foi cassado no dia 30 de dezembro. No dia 2 de
janeiro foi se despedir de mim e do Mario Lago. Não podia me esquecer.
Carinhosamente: "Você adivinha mesmo".

PS3- Ficou quase 5 anos na Europa e nos EUA. Voltou, se isolou na Nova
Fronteira. Morreu inesperadamente em 1977. 2 anos antes da anistia,
ainda pensando em ser presidente.

PS4- Eu e Mario Lago, fomos libertados em 6 de janeiro, "Dia de Reis".

Os generais são torturadores, mas muito católicos
 
EUNICE PAIVA, MULHER DE RUBEM PAIVA, GRANDE AMIGA
 
Dois anos depois do AI-5, 1970, ele foi assassinado, triturado,
desaparecido. Ela e Rosinha, amicissimas, eu e o Rubem, a mesma
coisa. Ela começou o terrível sofrimento, de ficar sem o marido antes
dos  40 anos. E depois ficar outros 48, sem saber sequer onde estava
ou estaria seu corpo. É terrível, ninguém pagou por esse crime.
 
Ontem, quando o nefasto AI-5 fazia 50 anos, minha doce e querida amiga
foi embora. Na verdade, tentava desesperadamente sobreviver a tanta
crueldade. Não conseguiu.
 
Ninguém consegue.


Um comentário:

  1. Amado Helio Fernandes, tento acompanhar as tuas análises desde os áureos tempos da Tribuna da Imprensa impressa. Só tenho a agradecer e a elogiar a tua tremenda luta em defesa da Democracia e de nossa Pátria. Resta-nos rogar ao Pai que ilumine os próximos dirigentes.

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