50 ANOS DEPOIS A CONSTATAÇÃO: O
AI-5 FOI MAIS TERRÍVEL,TRÁGICO,TRAUMÁTICO,COVARDE, CRUEL,
DO QUE A PROXIMIDADE DEIXAVA
ENTREVER
HELIO FERNANDES
Tudo
começou com violência esparsa e a farsa premeditada para iludir a
coletividade:
"Estamos com Deus, salvando a Pátria e a família". Mas
cumpriram
um roteiro de tortura e TERRORISMO tão grande, que menos de
1 mês
depois da posse de Castelo Branco, o notável Sobral Pinto mandou
a ele,
uma de suas notáveis cartas. Todos temiam essas cartas.
Textual,
entregue a Castelo no dia 29 de abril: "O senhor tem que
deixar o
palácio, o senhor não é presidente da
Republica. É Chefe do
Estado
Maior das Forças Armadas, deve reassumir seu cargo". Com todo o
aparato
militar, Castelo tremeu e se assustou com a carta de um
advogado
desarmado. Que se recusou até mesmo atender telefonema, do
"presidente"
de plantão.
O tempo
do Poder terrorista foi transcorrendo, os que resistiam, cercados
e
cerceados pela censura ainda não ostensiva. Os que
ADERIAM tinham
abertas as portas da fortuna que exibem hoje, acintosa
e
audaciosamente.Mas isso não bastava, em 12 de junho de 1968, foi
oficializada
a CENSURA, as redações tinham mais militares do que nos
quartéis.
A censura
facilitava ou dificultava, de acordo com a orientação do
jornal ou
da revista. Nos fins de tarde, jornalistas de outros órgãos,
iam para
a redação da Tribuna da Imprensa. Funcionava um café
restaurante,
uma festa. Eu não deixava os censores comerem ou tomar
café. Fui
chamado pelo coronel chefe da censura, que me disse: "O
senhor
não pode fazer isso". Respondi: "Só deixo eles fazerem a censura
sentados,
para não atrasar o jornal".
Logo, logo
chegou o 13 de Dezembro, com o inominável Ai-5, preparado
pelo
falso jurista, e verdadeiro ministro da
Justiça, Gama e Silva. Os
generais
queriam a represália no dia 12, quando a
Câmara se recusou a
cassar o
mandato do deputado Marcio Moreira Alves. Costa e Silva
estava no
Rio,disse ao general Jaime Portela, Chefe da Casa
Militar: "Não
atenderei nenhum telefonema hoje, convoque uma reunião
ministerial
ampla para amanhã cedo, 9 horas. Acrescentou: "Estou vendo
um
bangue-bangue ótimo, depois do jantar vou ver
outro". Eram 4 da
tarde.
Naquela época
os vespertinos rodavam ás 11 da manhã, estavam nas
bancas ao
meio dia. Foi um tormento fazer e fechar o jornal, sabendo
que a reunião do Laranjeiras duraria o dia todo.A
vantagem é que
íamos
para casa ás 6 da tarde, voltávamos ás 6 da manhã. Nesse dia 13,
ás 8 e
meia da noite, ouvi o jornalista Alberto
Cury ler essa
famigerado
AI-5, numa cadeia de radio e e televisão.
Pedi a
Rosinha para me levar até á porta: "Você pode ficar algum tempo
sem me
ver, prefiro ser preso no jornal". Quando eu ia saindo, tocou o
telefone,
Rosinha atendeu, me disse, "é o Carlos Lacerda". Eu disse a
ele,
"você seria uma das raras pessoas que eu atenderia, serei preso
logo".
Pergunta do ex-governador: "E eu?". Respondi com toda a
sinceridade:
"Você vai ser preso e será cassado"
Do outro
lado, um berro tremendo: " Você está acostumado a adivinhar,
mas não
serei preso nem cassado". A redação da Tribuna da Imprensa era
a 100 ou
150 metros da Central de Policia da rua da Relação, prédio
tétrico
pelos assassinatos praticados contra presos. Fui levado pra lá,
não sabia
o destino final. Meia hora depois fui levado para o quartel
general
da Policia Militar, o "Caetano de Farias", não muito longe.
Uma porta
estreita, um homem atrás das grades, uma folha de papel,
consegui
ver o numero 1, e o nome do redator chefe do Correio da
Manhã. A
seguir o numero 2, o sujeito perguntou meu nome. Quando
respondi,
Helio Fernandes, ele levou um susto, perguntou: "O senhor é o
próprio?
Pela
manhã chegou Carlos Lacerda, me abraçou: "Está bem você acertou,
estou
preso, mas não serei cassado". Eu já
estava cassado desde
1966,
preso várias vezes, respondi: "Eles te prenderam, estavam com
saudades
de você". Foram chegando pessoas que não conhecíamos.
No final
da tarde, quem apareceu? A notável figura de Mario Lago. Foi
preso no
Teatro Santa Isabel. Representava um escocês, estava com as
roupas características,
foi logo dizendo: "Aqui só quem me conhece é o
Lacerda e
o Helio. Estou com estas roupas, mas não sou viado". (A
palavra
gay ainda não era usada).
PS-
Chegando ao final pessoal, o país foi tremendamente atingido, a
repressão
a atividades artísticas e culturais, devastadoras.
A política
destruída, centenas de parlamentares e advogados, presos e
torturados.
PS2-
Carlos Lacerda foi cassado no dia 30 de dezembro. No dia 2 de
janeiro
foi se despedir de mim e do Mario Lago. Não podia me esquecer.
Carinhosamente:
"Você adivinha mesmo".
PS3-
Ficou quase 5 anos na Europa e nos EUA. Voltou, se isolou na Nova
Fronteira.
Morreu inesperadamente em 1977. 2 anos antes da anistia,
ainda
pensando em ser presidente.
PS4- Eu e
Mario Lago, fomos libertados em 6 de janeiro, "Dia de Reis".
Os
generais são torturadores, mas muito católicos
EUNICE PAIVA, MULHER DE RUBEM PAIVA, GRANDE AMIGA
Dois anos depois do AI-5, 1970, ele foi assassinado, triturado,
desaparecido. Ela e Rosinha, amicissimas, eu e o Rubem, a mesma
coisa. Ela começou o terrível sofrimento, de ficar sem o marido antes
dos 40 anos. E depois ficar outros 48, sem saber sequer onde estava
ou estaria seu corpo. É terrível, ninguém pagou por esse crime.
Ontem, quando o nefasto AI-5 fazia 50 anos, minha doce e querida amiga
foi embora. Na verdade, tentava desesperadamente sobreviver a tanta
crueldade. Não conseguiu.
Ninguém consegue.
Amado Helio Fernandes, tento acompanhar as tuas análises desde os áureos tempos da Tribuna da Imprensa impressa. Só tenho a agradecer e a elogiar a tua tremenda luta em defesa da Democracia e de nossa Pátria. Resta-nos rogar ao Pai que ilumine os próximos dirigentes.
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