Titular: Helio Fernandes

segunda-feira, 1 de abril de 2019



EM 1963, NAS VÉSPERAS DO GOLPE,
GENERAIS, GOVERNADORES, O PRÓPRIO 
PRESIDENTE JOÃO GOULART, CONSPIRAVAM, 
SÓ ESTE REPÓRTER FOI PRESO

HELIO FERNANDES

Em agosto de 1963,o presidente João Goulart determinou ao ministro da
Guerra, Jair Dantas Ribeiro, que enviasse a generais da sua confiança,
uma "carta sigilosa e confidencial", que estava lhe mandando.
Ainda não existiam generais de Exercito ( 4 estrelas ), só 24 generais
de Brigada e 12 de Divisão. Eu não tinha nada a ver, nem conhecia o
conteúdo do documento "sigiloso e confidencial".

Conhecia um dos generais que recebeu a carta, não era amigo nem
informante.O general Cordeiro de Farias, ex-interventor no
RGS, governador de Pernambuco, eleito pelo voto direto. Mostrou a
carta, com envelope e tudo, li, pela minha alegria e agradecimento,
viu que seria publicada, foi embora .Eram mais ou menos 8 da noite.

Naquela época, os vespertinos, (caso da Tribuna da Imprensa) rodavam
ás 11 da manhã, ao meio dia estavam nas bancas.

Foi um estrondo, começou a circular que eu seria preso. Às 3 da tarde
fui para o Santos Dumont, tinha uma entrevista programada na
TV-Itacolomy.  Em Belo Horizonte, um grupo enorme de jornalistas me
esperava, todos com a noticia de que eu seria preso. Enquanto
conversávamos, chegavam dois assessores do governador
Magalhães Pinto "eu seria preso ainda em Belo Horizonte".

Os jornalistas me acompanharam na  caminhada até a porta da
Itacolomy, o diretor me esperava, "o programa foi cancelado, não por
nós, você será preso". Não demorou, sem estardalhaço, parou um fusca
vermelho. O motorista,mais o capitão Aurelio, nos conheciamos muito.
Nos abraçamos, ele comunicou: "Vamos jantar e dormir na ID-4".

Pela manhã um avião me trouxe para o Rio, fui para o quartel da
Policia do Exercito, enorme, mais tarde ali seria localizado o
terrível e tenebroso CODI-DOI comandado pelo general Orlando Geisel,
irmão do Ernesto. Orlando queria ser "presidente", o premiado foi o
Ernesto, de 1974 a 1982.

Enquanto decidiam meu futuro, fiquei uns dias na Policia do Exército
Na hora do banho de sol, pude constatar a tremenda divisão do
Exercito. Oficiais cruzavam comigo, diziam, "resista, Helio estamos com
você". Outros me olhavam, queriam me fuzilar com os olhos. O ministro
da Guerra mandou me transferir para Brasília, preso á ordem do seu
gabinete.

O Millor escreveu artigo de grande repercussão. Textual: "Não quero
defender o Helio por ser meu irmão.Mas um jornalista que recebe um
documento como esse e não publica, é melhor que abra um armazém de
secos e molhados".

Carlos Lacerda cuidava dos advogados. Juntou tradicionais defensores de
presos políticos, Sobral Pinto, Prado Kelly, Prudente de Moraes Neto,
com Evaristinho de Moraes e George Tavares,meus advogados. Eu
incomunicável não sabia de nada. Sobral Pinto telefonou para o bravo
presidente do  STF, Ribeiro da Costa, protestou: "Eu falo com o
senhor, presidente do tribunal, ha 3 dias não consigo falar com meu
cliente". Ribeiro da Costa providenciou, no mesmo dia conversei com os
advogados. Sobral me disse que fora procurado pelo general Cordeiro de
Farias, confessando que fora ele que me dera o documento. Como não
concordei, (não posso entregar uma fonte) Cordeiro de Farias deu
entrevista coletiva a dezenas de jornalistas, confirmando que quem me
deu a carta sigilosa foi ele.

O presidente oficiou ao ministro da Guerra, para saber onde eu
estava. Arrogante, o ministro respondeu por oficio: "Está preso á minha
ordem, só meu gabinete pode localizá-lo". Como o ministro tinha foro
privilegiado, o julgamento aconteceu no STF. Ribeiro da Costa achou os
fatos muito estranhos, usou o que está no Regimento Interno, designou
a si mesmo como relator.

O julgamento aconteceu no dia 31 de Julho, não queriam que passasse
para agosto, mês considerado politicamente aziago. Pediram 15 anos de
prisão para o repórter. Estavam presentes 8 ministros, 3 estavam de
ferias ou hospitalizado. Fui prejudicado, 2 deles votariam pela minha
absolvição. Luiz Galloti, grande amigo, telefonou para Rosinha: "Estou
de ferias, não existe possibilidade do Helio ser condenado".
Com o STF lotado, o PGR Beviláqua, fez um libelo terrível, parecia que
eu era um assassino e não um jornalista. (Meses depois me mandou uma
carta carinhosa, pedindo mil desculpas).

Os ministro foram votando, estive sempre em desvantagem, 3 a 1, 4 a 3,
faltava o ultimo, Candido Motta filho. Não o conhecia, me absolveu,
levou o resultado para 4 a 4, e o voto de Minerva, ai sim, verdadeiro.
Ele já votara como ministro, agora desempataria, pela absolvição ou
condenação. Os que votaram pela condenação, pediram o adiamento do
julgamento. Ribeiro da Costa perguntou: "Os senhores querem votação?".
Quiseram, novo 4 a 4.

Ribeiro da Costa decidiu, "o julgamento terminará hoje, vamos a um
lanche, voltaremos, condenarei ou absolverei o jornalista, é a minha
obrigação constitucional". Antes de votar, me chamou, quero o senhor
ao meu lado" Seu voto foi uma declaração de Liberdade. Palavra do
presidente: "O senhor nem devia  estar aqui, sendo julgado. Às 20,30 do
dia 31 de julho de 1963, determino que o senhor está livre para se
locomover para qualquer parte do Brasil. E me abraçou, aplaudido pelo
Supremo lotado.

Ainda deu tempo para eu, Rosinha e Millor voltarmos para o Rio.

PS- Depois de 56 anos, é a primeira vez que relato estes fatos,
rigorosamente históricos. Com nomes e sobrenomes dos personagens.

PS2- È uma lembrança e uma condenação do capitão Bolsonaro, que
disse, " existe diferença entre COMEMORAR e REMEMORAR"

Um comentário:

  1. Leiam://blog.kanitz.com.br/erro ditadura militar/

    Uma vergonha!!!

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