Titular: Helio Fernandes

terça-feira, 9 de fevereiro de 2021

MARIGHELLA: A GUERRILHA TRAÍDA, INFILTRADA, BRUTALMENTE ASSASSINADA

HELIO FERNANDES

*Publicações históricas no Centenário do jornalista

Parte - II

A conversa sobre guerrilha

Deixei o carro no Jardim do Meyer, além de ter nascido ali, ia muito à casa do extraordinário Agripino Grieco, que espantosa biblioteca. Os jornais naquela época tinham o que ficou eternizado como “rodapé”. Pela forma como eram colocados nas paginas e pela importância dos que escreviam.

Na verdade foram os precursores do “colunismo,” mas “Nossa Senhora”, que genialidade. Agripino foi o primeiro, depois vieram Alceu Amoroso Lima, Álvaro Lins, Eduardo Portela, todos grandes amigos do repórter. Sabia que em 15 ou 20 minutos estaria na casa do Marighella.

Genialmente automático. Olhei o numero da casa, atravessei a rua, a porta se abriu. 19 anos depois, reencontrava Marighella. Já era uma lenda, ainda iria mais longe, se transformaria em legenda, como conta magistralmente Mario Magalhães. Entramos logo no assunto.

Começou: “Helio, quando posso acompanho a tua luta, e tenho enorme admiração pelo teu poder de analise, por isso pedi para você vir aqui”.

O que ele queria, não demorou: ”Helio, estamos organizando a guerrilha, queria saber a tua opinião”. Ficou em silêncio, respondi: “Não tenho nada contra a guerrilha como forma de luta, o que me interessa é a proporção das forças. Quantos serão esses guerrilheiros?”.

“Seremos 60 no Maximo” 
    
Fiquei assombrado, sabia que não formaria um exercito, era uma força para combater. Incomodar o adversário, sem nenhuma possibilidade ou pretensão de vitória. Mas não queria desacreditar a vontade de ninguém, eu estava ali para analisar e não para desencorajar.

Falei para um Marighella atento, silencioso, mas muito bem informado: “O Exercito vai partir com tudo para cima de vocês. Pode ficar certo que serão 60 mil armadíssimos, contra 60 de vocês, que terão que enfrentar a luta na floresta, a traição que é natural, e a ânsia de tortura dos que se jogarão sobre vocês”.

Continuei, tentando mostrar a desigualdade: “Vocês todos tem admiração pela Coluna Prestes, eu também. Mas já se passaram mais de 40 anos. O país mudou as forças armadas, agora, tem serviços de inteligência, vão localizar vocês imediatamente e saberão sempre onde vocês estarão”.

Passei para a História de Canudos e Antonio Conselheiro: “O Exercito mandou três quartas partes do seu efetivo, para lá. Envergonhados, chamaram a quarta “expedição suplementar”. Assassinaram todos em Canudos, na quarta expedição levaram até canhões, que montaram num morro chamado FAVELA". 

Que depois seria imortalizado e eternizado, nos morros do Rio, pelo único que escapou de Canudos.  E reprisei: “Morreram todos. O único “herói” de Canudos, foi o Coronel Moreira Cesar, conhecido muito verdadeiramente, como “coronel corta-cabeça”. 
  
PS – O encontrou levou duas ou três horas, já sabíamos que havia terminado. E logo Marighella levantou, me abraçou: “Foi ótimo ouvir você. Toda luta tem riscos, você faz a tua parte que é importantíssima”.

PS2 – Continuou: “Você sabe muito bem, ou não teria sido convocado, que resistiremos, haja o que houver. Não vou contar nada aos companheiros, mas nossa decisão é definitiva. Considero tua analise positiva, em nenhum momento você negou a guerrilha”.

PS3 – Não me pediu silencio, não disse para manter a conversa entre nós, me conhecia. Guardei sigilo por 46 anos, mesmo depois de tudo ter acabado. Agora, conto, como homenagem ao bravo lutador.

PS4
 – Nunca mais encontrei Marighella. Ainda me lembro de suas ultimas palavras, não me levando até a porta: “Saia pelos fundos, você entrou pela frente”. Não era recomendação, e sim um dos segredos da clandestinidade.

 

 

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