MARIGHELLA: A GUERRILHA TRAÍDA, INFILTRADA, BRUTALMENTE ASSASSINADA
HELIO FERNANDES
*Publicações históricas no Centenário do jornalista
Parte - II
A conversa sobre guerrilha
Deixei o carro no Jardim do Meyer, além de ter nascido ali, ia muito à casa do
extraordinário Agripino Grieco, que espantosa biblioteca. Os jornais naquela
época tinham o que ficou eternizado como “rodapé”. Pela forma como eram
colocados nas paginas e pela importância dos que escreviam.
Na verdade foram os precursores do “colunismo,” mas “Nossa Senhora”, que genialidade.
Agripino foi o primeiro, depois vieram Alceu Amoroso Lima, Álvaro Lins, Eduardo
Portela, todos grandes amigos do repórter. Sabia que em 15 ou 20 minutos
estaria na casa do Marighella.
Genialmente automático. Olhei o numero da casa, atravessei a rua, a porta se
abriu. 19 anos depois, reencontrava Marighella. Já era uma lenda, ainda iria
mais longe, se transformaria em legenda, como conta magistralmente Mario
Magalhães. Entramos logo no assunto.
Começou: “Helio, quando posso acompanho a tua luta, e tenho enorme admiração
pelo teu poder de analise, por isso pedi para você vir aqui”.
O que ele queria, não demorou: ”Helio, estamos organizando a guerrilha, queria
saber a tua opinião”. Ficou em silêncio, respondi: “Não tenho nada contra a
guerrilha como forma de luta, o que me interessa é a proporção das forças.
Quantos serão esses guerrilheiros?”.
“Seremos 60 no Maximo”
Fiquei assombrado, sabia que não formaria um exercito, era uma força para
combater. Incomodar o adversário, sem nenhuma possibilidade ou pretensão de
vitória. Mas não queria desacreditar a vontade de ninguém, eu estava ali para
analisar e não para desencorajar.
Falei para um Marighella atento, silencioso, mas muito bem informado: “O
Exercito vai partir com tudo para cima de vocês. Pode ficar certo que serão 60
mil armadíssimos, contra 60 de vocês, que terão que enfrentar a luta na
floresta, a traição que é natural, e a ânsia de tortura dos que se jogarão
sobre vocês”.
Continuei, tentando mostrar a desigualdade: “Vocês todos tem admiração pela
Coluna Prestes, eu também. Mas já se passaram mais de 40 anos. O país mudou as
forças armadas, agora, tem serviços de inteligência, vão localizar vocês
imediatamente e saberão sempre onde vocês estarão”.
Passei para a História de Canudos e Antonio Conselheiro: “O Exercito mandou
três quartas partes do seu efetivo, para lá. Envergonhados, chamaram a quarta
“expedição suplementar”. Assassinaram todos em Canudos, na quarta expedição
levaram até canhões, que montaram num morro chamado FAVELA".
Que depois seria imortalizado e eternizado, nos morros do Rio, pelo único que
escapou de Canudos. E reprisei: “Morreram todos. O único “herói” de
Canudos, foi o Coronel Moreira Cesar, conhecido muito verdadeiramente, como
“coronel corta-cabeça”.
PS – O encontrou levou duas ou três horas, já sabíamos que havia
terminado. E logo Marighella levantou, me abraçou: “Foi ótimo ouvir você. Toda
luta tem riscos, você faz a tua parte que é importantíssima”.
PS2 – Continuou: “Você sabe muito bem, ou não teria sido convocado,
que resistiremos, haja o que houver. Não vou contar nada aos companheiros, mas
nossa decisão é definitiva. Considero tua analise positiva, em nenhum momento
você negou a guerrilha”.
PS3 – Não me pediu silencio, não disse para manter a conversa entre
nós, me conhecia. Guardei sigilo por 46 anos, mesmo depois de tudo ter acabado.
Agora, conto, como homenagem ao bravo lutador.
PS4 – Nunca mais encontrei Marighella. Ainda me lembro de suas ultimas
palavras, não me levando até a porta: “Saia pelos fundos, você entrou pela
frente”. Não era recomendação, e sim um dos segredos da clandestinidade.
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