HISTORIA
DE PRISÕES E LIBERTAÇÕES, JULGAMENTOS NO SUPREMO, NÃO HÁ MAIS SIGILO,
CONFIDÊNCIAS, TUDO É PÚBLICO
HELIO
FERNANDES
Reprise:
Em
1963, fui preso e levado para a Barão de Mesquita, ainda não havia o Doi-Codi.
Só em 1968, 5 anos depois seria criado, comandado, tornado símbolo da crueldade
e da tortura, tendo como maior autoridade, o general Orlando Geisel. Como a
comissão da Verdade está provando e desvendando, esses generais não torturavam
pessoalmente tinham subalternos que “cumpriam ordens”. Iam assassinando, sendo
promovidos, passados para a reserva, vinham outros.
Essa
comissão da Verdade só foi criada e instalada com mais de 30 anos de atraso,
todos os generais de 3 ou 4 estrelas, responsabilíssimos, já haviam morrido. Na
Argentina e no Chile, os mandantes e não os coadjuvantes, morreram na cadeia,
numa cela, sem o menor conforto, embora não tenham sofrido tortura física.
O primarismo do SNI
Criado
junto com o golpe de 64, o equipamento tinha pelo menos 100 anos de atraso. E
os que tentavam gravar “todas as conversas” eram de incompetência colossal. A
começar pelo major, depois Tenente-Coronel Golbery do Couto e Silva que se julgava
um gênio. Seu último cargo foi esse que citei, mas como existia a imoralidade
de receber duas promoções ao passar para a reserva, se transformou General.
Comandou
o SNI desde a sua criação, mais tarde acumulou a chefia do SNI com a
presidência da Dow Chemical, a maior fabricante de napalm do mundo, responsável
por milhões de assassinatos nas mais diversas “guerras localizadas” como a do
Vietnã. Nada lhe aconteceu, morreu fé tido
de responsabilidade, embora se julgasse a própria santidade de impunidade e da
indignidade.
Minha primeira prisão,
julgamento no Supremo
Hoje
não existe mais nenhum sigilo, tudo de sabe na hora, ou até antes de acontecer.
Qualquer pessoa na maior inocência ou ingenuidade, pode estar conversando com
alguém, e tudo sendo gravado, com um celular no bolso do outro.
Ha
algum tempo fui falar para centenas de aluno da PUC de São Paulo. Eles iam
chegando, colocavam ou jogavam o celular em cima da mesa horizontal. Quando se
satisfaziam e iam embora, era só apanhar o aparelho, estava tudo ali. Não havia
mais trabalheira e a complicação da preparação, microfones.
No
dia 22 de julho de 1963, antes do golpe todos conspiravam. Generais,
governadores, membros do governo. Recebi envelope com uma circular assinada
pelo ministro da Guerra, general Jair Dantas Ribeiro. A fonte, excelente, me
entregou ainda no envelope original, com o carimbo: “Sigiloso e confidencial”.
Publiquei,
claro. Fui preso no mesmo dia. Também no mesmo dia Millor escreveu: “Não quero
defender o Hélio por ser meu irmão mas um jornalista que recebe circular
sigilosa e confidencial, assinada por um general ministro da guerra, e não
publica, é melhor que abra um supermercado.”
Publiquei,
claro. Fui preso no mesmo dia. Também no mesmo dia o Millor escreveu: “Não
quero defender Helio por ser meu irmão. Mas um jornalista que recebe circular
sigilosa e confidencial, assinada por um general ministro da Guerra, e não
publica, é melhor que abra um supermercado”.
Meus
advogados, que não conseguiam falar comigo, estava incomunicável, entraram com
Habeas-Corpus no Supremo, na época presidido pelo bravo, combatente e
resistente Ribeiro da Costa.
Os
advogados que me representavam, eram quatro. Sobral Pinto, que defendeu presos
políticos em duas ditaduras, a do “Estado Novo” de 1937 e a dos generais de 64.
Hoje é nome de edifício onde a OAB Regional e a IAB Nacional, diante de
multidão de advogados, homenagearam o bravo, competente, lucido e resistente,
George Tavares. Isso aconteceu na semana passada.
Prado
Kelly, notável advogado e jurista, depois presidente da OAB Nacional, Ministro
da Justiça e finalmente Ministro desse mesmo Supremo. Adauto Lucio Cardoso,
advogado, deputado, fez um libelo contra a minha prisão. Mais tarde também
ministro do Supremo, saindo de lá, não pela aposentadoria e sim com o ato, o
gesto e a convicção de em plena sessão tirar a toga e com audácia e
determinação, joga-la no chão, exclamando: “Este não é o Tribunal que eu
imaginava”. E foi embora.
E
finalmente Prudente de Moraes Neto, umas das mais invulgares figuras que
conheci. Depois de me defender, foi presidente da SUUMCC, daí surgiria o Banco
Central. Diretos do Diário Carioca (este repórter, mocíssimo era diretos da
redação, ele era o diretor responsável), mais tarde presidente da ABI em plena
ditadura.
Usou
a presidência dessa notável ABI para liderar ou melhorar a situação de dezenas
de jornalistas, presos políticos. Sua atuação épica, histórica, maravilhosa,
foi em relação ao jornalista Mauricio Azedo, (depois presidente da ABI), um dos
presos mais torturados. Durante três meses, Prudente quase todo dia saía da
ABI, ia ao Ministério da Guerra, conversar com o Ministro-chefe-do-Doi-Codi,
tentando a libertação de um dos mais torturados de todos os tempos.
Finalmente
conseguiu a libertação do Mauricio. O próprio general Geisel disse a ele:
“Amanhã às 9 horas, o jornalista será solto, o senhor pode ir buscá-lo”.
Prudente foi com um amigo e o motorista. Mauricio Azevedo, quase morto, foi
entregue a ele. Emocionante, lancinante, comovente são as palavras obrigatórias
para lembrar o ato e o fato. Abraçados Prudente e Mauricio choravam sem para,
não há como descrever.
Ha
um foto que circulou durante muito tempo na internet. Impossível transcrever a
emoção provocada pelo episódio, dois homens públicos notáveis, realizados,
generosos, desprendidos, chorando abraçados, não conheço nada tão admirável.
Era o auge da rebeldia construtiva. Depois da resistência do sacrifício e da
tortura, as lagrimas não pela libertação mas sim pela liberdade.
Julgamento assustador
Todos
diziam até mesmo no círculo jurídico se comentava: “Com essa seleção de
advogados, o Hélio Fernandes será absolvido facilmente”. Exatamente o
contrário. Fui enquadrado na Lei de Segurança, pediram 15 anos de condenação.
O
julgamento terminou em quatro a quatro. Além dos extraordinários advogados,
tive a sorte de ter a presidência só do Supremo, Ribeiro da Costa. Pela
Constituição e pelo Regimento Interno do Supremo, o plenário só poderia julgar
com 8 ministros presentes, menos do que isso, nenhum julgamento.
Palavras
do presidente Ribeiro da Costa: “Vou levantar a sessão por alguns minutos,
voltaremos para cumprir a obrigação constitucional, desempatar a votação”. E
esclareceu: “De acordo com o que está determinado na Constituição de 46 posso
desempatar contra ou a favor do jornalista”.
Voltaram,
num brilhante voto de improviso, me absolveu, com a afirmação – conclusão: “O jornalista não devia nem ter sido preso, acusado e
julgado. Apenas publicou um documento assinado levianamente, o conhecimento do
documento serviu a coletividade”.
PS1-
Em toda a história da Republica, fui e sou o único jornalista JULGADO pelo
supremo de corpo presente. Muitos, incluindo Rui Barbosa, foram PROCESSADOS, o
que é inteiramente diferente.
PS2-
Hoje não há mais sigilo para coisa alguma. As novas tecnologias não vão matar o
jornal impresso, longe disso. Só que agora a velocidade das notícias é a mesma
que Einstein colocou na sua genial Teoria da Relatividade.
Genial HF,
ResponderExcluirHistoria viva dessa tão conturbado nação.
Constataçao rigorosamente verdadeira.